segunda-feira, 22 de março de 2010

A primeira vez a gente nunca esquece

Toda garota normal passa boa parte da sua vida planejando esse momento. Algumas das minhas amigas, por exemplo, cumpriram um cronograma cabalístico: escolharam em qual festa seria,  compraram roupa nova, emprestaram um perfume da prima e roubaram um batom velho da mãe. As mais românticas combinaram com o parceiro a música que deveria tocar naquele instante; um arsenal de balas, chicletes e desculpas esfarradas também foram metodicamente planejados.
Um grupo de amigas anormais foram mais diretas, agiram por impulso ou pelo estímulo do álcool. É que a pressão naquela época já era suficientemente grande, fazendo muita gente apelar mesmo com apenas 13 anos. E a essa categoria de menina não cabia o poder da escolha. Vi muitas terminarem nos braços de algum canalha bonitinho ou em um canto escuro com o feinho que sobrava na festa, sem chicletes, perfumes ou roupa nova. Tudo improvisado, no embalo da ovação pública dos amigos ou de gente estranha.
Eu - que pertenço ao grupo das extremamente anormais, não sonhei e nem improvisei. Não porque não tinha vontade de fazer as duas coisas, mas é que o meu inconsciente já sabia que eu estava predestinada a algo bastante peculiar, independente da minha escolha. Aos 21 anos, me enchi de coragem e encontrei a minha vítima no ICQ. Foi naquela tarde de agosto, na frante do computador que dei início à missão mais ambiciosa da minha vida, até então: dar o meu primeiro beijo.

Martin era argentino - tá gente, ninguém é perfeito. Mas sabe como é, aquele cabelinho sem corte, o portunhol doce...me conquistou! Como já disse, o conheci na internet. Teclamos, trocamos cartas e nos falamos por telefone por vários longos meses, até marcarmos o grande encontro: Florianópolis, durante o meu vestibular, que seria em janeiro - época em que os hermanitos migravam para a ilha da magia. O que mais me empolgou nessa história, é que ele era lindinho, gentil, educado e demonstrava estar apaixonado por mim. Isso superava as minhas expectativas de menina magricela, feia, desengonçada, que sustentava em seus grandes dentes um aparelho fixo espalhafatoso. Ressalto que por mais desinteressante que fosse, sempre fui exigente e não queria uma história qualquer. Sempre desejei que o meu primeiro beijo fosse um momento especial, inesquecível, diferente das histórias frustradas que minhas amigas contavam. Por isso demorei tanto em beijar. Simplesmente me recusava a beijar pelo simples fato de trocar fluídos bucais com um desconhecido, provavelmente alcoolizado, numa balada qualquer, pois sabia o saldo cruel que isso resultava: o cara não se lembraria de mim, eu seria completamente ignorada e eu não queria carregar essa amarga lembrança pelo resto da minha vida. Então, com um argentino bonito escrevendo poesias sobre pássaros que quase morriam em busca do seu verdadeiro amor, me fez acreditar que eu poderia ter uma história diferente, e que estava prestes a viver o conto de amor mais romântico da América do Sul.

O encontro foi na praia, pouco antes do sol-do-por. Eu estava destruída pela magreza extrema e pelas diarreias sucessivas dos últimos dias. Não preciso dizer que meu rendimento no vestibular foi péssimo; meus estudos estavam focalizados em outra ciência, a de beijar com aquele aparelho ortodôntico do tamanho da avenida Beira Mar. Por sorte, estava na casa de uma das minhas melhores amigas, que preparou um staf  de apoio de primeira: seus sogros, seus 5 irmãos e respectivas (os) namoradas (os), esposas (os) e afins, suas primas, sobrinhos...no total eram 18 pessoas na torcida pela campanha Michele deixará de ser VB. Adoraria contar os bastidores do pré-beijo, mas isso deixo para outra oportunidade. Voltemos para o por do sol, na praia de Cachoeira do Bom Jesus, com Martin e eu caminhando na areia branca, vislumbrando as primeiras estrelas naquele céu vermelho-violeta de janeiro de 2001.
Tudo estava lindo, maravilhosamente perfeito (ele tinha mais de 1,80, tinha as costas largas - pena que tinha um pescoço peludo e uma pinta na ponta do nariz, mas eram detalhes gente, o cara era realmente muito bonitinho), tudo ia ótimo, até ele ter a infeliz ideia de me pedir um beijo. Sabe, ele teria facilitado muito a minha vida se tivesse me atirado na areia e incorporado um amante latino. Mas não, segurou os meus ombros delicadamente, disse que aquele momento era especial para ele e que estava feliz de estar ali comigo (muito fofo), e, olhando nos meus olhos me pediu novamente o maldito beijo que eu não sabia como dar. Então, como quem recebia docemente uma ordem, tentei me concentrar nos seus olhos castanhos mel. Mas eu tremia tanto, que achei melhor fechar os olhos. Senti o ar quente que vinha de sua respiração se aproximar cada vez mais no meu rosto, senti que meu coração delatava o meu nervosismo e senti um súbito desejo de me atirar no mar e ser canonizada como santa, por resistir às tentações da carne. E foi por esta última vontade que meu destino se cumpriu, e cometi uma série de erros exclusivamente ridículos, conforme meu inconsciente.

Para evitar o encontro dos lábios, joguei minha cabeça contra o seu delicioso peito, ação que machucou a minha boca com um dos braquetes que usava nos caninos. Vendo o sangue que saía e sabendo que a cena já era bastante estúpida, decidi piorar as coisas: saí correndo feito uma louca no meio da praia, até alcançar o ponto de ônibus. É lógico que o coitado do rapaz não entendia nada. Saiu correndo atrás de mim parecendo um maníaco sexual, e quando quase conseguiu me alcançar, me enfiei dentro do primeiro ônibus que vi. Olhei para ele e ele me olhou com a cara mais desconsolada do mundo - foi naquele instante que me apaixonei perdidamente por Martin Taussik, e com remorso, consegui dizer apenas um desculpe, não posso, sinto muito.
Cheguei em casa e encontrei com a galera esperando um desfecho romântico, um final feliz. Eu estava arrasada, envergonhada e com a boca inchada. Algum engraçadinho insinuou que eu havia beijado muito, por isso a boca estava daquele jeito. Mas com a minha cara, puderam concluir que eu dizia a verdade ou no mínimo, que o cara havia me dado um soco na boca. Os homens da casa me explicaram que o Martin devia estar puto da vida comigo - o que não me ajudou muito. As meninas me encorajaram a ligar para ele, mas é lógico que eu não conseguiria. Então, combinamos de ir na casa dele bem cedo, porque o argentino iria para outras praias na manhã seguinte. Fomos, mas já não havia ninguém na casa, apenas um lagarto perdido. Pedi pra ficar sozinha. Fui caminhar pela mesma praia que estivemos na tardezinha anterior e dali saiu uma carta. Meti-a bem debaixo da porta, com medo de que o lagarto a comesse. Estava no meio de um banho quando o telefone tocou. O staf inteiro ficou histérico, começaram a gritar, a golpear a porta do banheiro, até eu entender o Martin está no telefone! Meu coração bateu forte, estava profundamente emocionada. De repente estava lá na sala, ensopada, ensaboada e com um roupão gigante no corpo (até hoje desconheço a origem daquele roupão verde musgo de veludo). Todos estavam ansiosos na sala, esperando entender a conversa em castelhano. Marcamos um novo encontro, agora no centro da cidade. Prometi aos meus amigos de que não gritaria e nem escaparia, mas sim, que beijaria muito e que diria a ele o quanto eu o queria.

Confesso que quando o vi, tive vontade de correr, mas fiquei tão sem força nas pernas com a presença daquele homem, que pensei que dessa vez desmaiaria. Novamente delicado, não me beijou na boca. Segurou a minha mão e me convidou para sentar numa praça de árvore grande -  depois soube que quem namorasse naquela praça, selaria uma grande história de amor. Conversamos algumas trivialidades. Já estava bem a vontade, quando ele me lascou o beijo de amante latino. Começou a chover, a esfriar, a anoitecer e nós dois ali, nos beijando incansavelmente.
Foi estranho. Tinha muitas emoções guardadas. Uma delas era a de que, pela primeira vez, estava me apaixonando de verdade e por um homem que morava em outro país. Eu não sabia o que aconteceria depois e isso me deixava nervosa. Em casa (ou melhor, na casa da minha amiga) fui recebida com festa. Não pude dormir naquela noite, repassava freneticamente tudo o que havia ocorrido, sentia uma triste saudade e não via a hora de estar com ele novamente, olhando para o mar, para seus olhos, para sua boca carnuda.
Naquele verão vieram outros encontros até, finalmente, chegar o triste dia da despedida.

Nossa relação, obviamente foi curta e por muito tempo odiei a previsão equivocada daquela praça de árvore grande, que fez eu acreditar naquela historinha água com açúcar. Sofri as dores do amor num momento delicado da minha vida. Hoje, por ironia do destino, Martin e eu moramos na mesma cidade, relativamente em bairros vizinhos. De vez em quando, trocamos algum email, sms ou mensagens no Facebook, mas nunca mais nos vimos pessoalmente.
Quanto à praça encantada, vejo que ela não estava tão errada assim. Acredito que só errei de argentino. A verdade, é que a minha grande história de amor era com outro gringo, que vim a conhecer quatro anos depois...

10 comentários:

  1. (Suspiro)
    Que fofo!
    Imaginei que a primeira vez fosse A primeira vez e já começei a rir antes mesmo de ler, imaginando se um dia eu terei coragem de contá-la a alguém, além de você!
    Adorei o texto, a narração, a história. Eu a conhecia, mas sem muitos detalhes. Imaginei-nos na faculdade e você narrando tudo...
    Bjs

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  2. Micheli, Micheli...

    Cheguei a ficar tonta lendo sua história...
    Eu sempre me achei esquisita por ter beijado só aos 17, enquanto todo mundo que eu conhecia já tinha feito isso, mas você me supera de longe, haha...

    E só para constar o quanto eu fui retardada, ganhei um beijo de um amigo de infância que dizia que me amava, que eu também tinha descoberto que gostava, mas só antes de me apaixonar por outro cara e estar toda empolgada com ele. Como tudo na minha vida acontece fora de lugar, foi um horror. Não consegui dormir à noite e no outro dia (pq existe o outro dia?) dei um dos maiores foras da minha vida e ai, coitado, mesmo depois de seis anos eu não esqueço da expressão dele... Não foi nem engraçado...

    Adorei o texto, a narração, a história (2).

    =)

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  3. Méééuuuu,Deuss!Voce fez todo um monólogo p/ falar de um beijo,um beijinho?Ahhhhhhhh nao,eu esperava algo mais...Enfim...Essa minha cabecinha!
    Bem,eu vou direto ao assunto!
    Meu beijo foi lááá´,no sítio...KKKK,meu senhor,pq vc me faz lembrar essas coisas,mais risoskkk(gargalhada9 né!pQ VAMOS COMBINAR Q PRIMEIRO BEIJO É UMA COISAAAAAAA muito chata,aquela linguona q o cara coloca na sua boca,ahh vamos combinar q é nogento,creio q por isso fiquei traumatizada com lingua kkk!
    Bem ,voltando ao beijo,o cara...Ops menino veio com tanto vontade q estragou tudo oq eu tinha de romantismo,se é q eu tinha essa coisa!
    Sintetisando,nao gostei do tao famoso(primeiro beijo)!!!!!!
    Preferi os q seguiram anos depois!

    Beijos ,continue postando q seguirei lendo!
    To te esperando aqui mocinha!

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  4. Adorei o texto, a narração, a história (3)

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  5. Linda história, Michelle! Só me diz, onde você consegue um roupão de veludo verde musgo?

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  6. Carol, Carol, seria ótimo tomar sol novamente na pracinha da Unicentro, enquanto te contaria pela ésima vez esta história. Melhor ainda seria se nsta mesma pracinha tivéssemos um Starbucks. Beijo grande!

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  7. Graci, bom te ver por aqui menina!
    Sinceramente,a cho que supero qualquer estatística em assuntos "exóticos". Deveria inscrever-me ao Guinness, não acha? rsrsrs
    Beijão!

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  8. Neide! Bom saber que não sou a única por passar por uma situação engraçada, esquisita ou traumática! Melhor ainda é poder rir desses fatos e compratilhar isso com vocês. beijo, beijo!

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  9. Iza,s empre prestigiando meus blogs. Valeu menina!

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  10. Hahahaha, Kath, ainda me pergunto sobre a origem deste roupão. Beijossss

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