O metrô é um nicho "ecológico" bastante interessante. Nele, existem animais das mais variadas estirpes. É de encher os olhos de qualquer etólogo: a elefanta que ocupa a extensão da porta de entrada, e por isso outros ocupam o assento que poderia ser seu; a galinha que resolve se maquiar e perfumar justo ao seu lado, causado-lhe uma crise de espirros incômodos; o porco que não lava suas partes íntimas, obrigando-te a dispensar a barrinha de cereais que era o seu café-da-manhã (neste caso, gosto de utilizar o termo "dieta forçada"); o veado que repete refrões de um hit da Britney Spears, enquanto você tenta se concentrar em algum tipo de literatura russa; a anta que interrompe a sua leitura para perguntar por que o metrô está indo no sentido oposto ao seu destino; os bezerros que choram por leite e azucriam a viagem com uéeeeee, uéeeeee, uéeeeee; as vacas prenhas que te obrigam a dar o assento porque tiveram um orgasmo que resultou num bezerrinho chorão...
Mas de todos esses animaizinhos, a que menos suporto é a tal da gazela. Tipicamente loiralindaemagra, acredita ser a rainha da cocada preta. Primeiro, porque é bonita, segundo, porque está acostumada a ser bajulada por todo mundo e terceiro, porque acha que pode tudo. Então, se aproveita desta condição e quer mandar e desmandar no terreiro alheio, até topar com uma loirameiabocabaixinhaemagra que chuta a macumba e a bota no seu devido lugar.
Por exemplo, viajando todos os dias no subway, descobri que a porta se abre exatamente na frente dos pilares da estação. Deve ser porque essas estruturas foram coordenadamente construídas de acordo com a extensão dos vagões (pura teoria minha, tá?). O importante é que sou uma gênia, aliás, quase, pois o Nobel da observação não é apenas meu. Infelizmente, mais gente já percebeu a "coincidência". Então, como não me dou por vencida, corro antes de que outros e ocupo a posição estratégica.
E hoje, eis que estava uma gazela. Toda bronzeadinha, cheia de grife e... NO MEU LUGAR. A moça já era linda, ia à praia, não estava vestida para trabalhar, então, que se fodesse, raciocinei. E nada mais que justo eu, a baixinha assalariada, ocupar aquele território. Me posicionei atrás dela (morri de inveja de suas curvas, confesso), e quando ela deu uma afastadinha para ver o metrô que chegava do outro lado, zazz, ocupei o lugar. Indecisa, veio pro meu lado e sabe quê? A bonita ficou colada em mim, do meu lado, tentando me afastar com o peso do seu corpo. Quanto atrevimento, gazela de merda! Nesse instante, saiu a leoa territorialista de dentro de mim. Tombei a minha mochila pro lado dela (em Buenos Aires a maioria trabalha de mochila), e fiquei ali, implacável. Mas a gazela era atrevida! Colou seu pé no meu, o que me impedia de mover, aliás, que me fez retroceder alguns centímetros à minha esquerda e me fazendo perder a posição estratégica. De longe, o metrô vinha bem devagar, como se observasse a competição mais à frente. Como morro de medo de cair nos trilhos, achei mais sensato parar com aquela disputa. Como já havia previsto, a porta do metrô se abriu bem na frente da gazela oxigenada e ela entrou, entrou toda triunfante. Se a desgraçada não tivesse dado uma olhadinha para trás, juro que eu não teria feito o que fiz. Foram lapsos de segundo que exigiram dos meus neurônios uma sinapse fora do comum. Então, tentando decidir se haveria vingança ou se eu lutaria por um assento, dei-lhe uma pisadela com o meu mega sapato sola de soldado no seu pezinho de rasteirinha, que saiu todo esfolado na parte trazeira. Há, como me diverti, gente! Furiosa, ela lançou-se sobre minha direção, mas como uma gorda estava prestes a arrancar-lhe o lugar (imagino que com o mesmo raciocínio que o meu), ela titubeou e caiu no banco derrotada. Ela bem que tentou me intimidar com o corpo inclinado na minha direção, mas como sou mestre em desdenhar aquilo que não me interessa, abri meu Kundera e permaneci petrificada, como se o romance entre Tereza e Tomás fosse a coisa mais importante da minha vida. Estações depois, a gorda conseguiu um banco ao lado da gazela, cobrindo-lhe qualquer vista que desse para mim.
Os passageiros que viajavvam de pé davam-se bundadas, cutucadas e pisadelas, até que um gritou "eso se parece a un zoológico". E pra entrar no clima da gozação, respondi "estoy de acuerdo!".
Nenhum comentário:
Postar um comentário