quinta-feira, 23 de julho de 2009

A criatividade masculina me espanta


Não bastasse uma semana trancada dentro de casa, entre lencinhos de papel e antibióticos e um aborrecimento sem fim, típico dos dias frios e chuvosos, viro para o meu namorado e proponho:

- Vamos ao cinema? Está em cartaz no cine arte um filme interessante...
-Nem sonhando! Bem que sei desses filmes sensíveis que você gosta de ver. Tenho sono só de imaginar!
- Ok, para que não diga que não sou diplomática, vamos tomar uma breja.
- Você sabe que não tomo cerveja desde as férias em Cancum. E mais, pelos antibióticos você não pode ingerir álcool.
- Mas você é chato, hein! Puxa, já não aguento mais ficar trancada dentro de casa. E esse frio...
- Já sei, se quiser sair tenho uma ideia. O que acha de irmos a algum lugar tomar uma vitamina...uma vitamina de banana?

Perplexa, olho para a cara do homem com quem comparto quatro anos da minha vida e penso "ele está gozando da minha cara". Vejo o mocinho indo ao quarto. Todo alegre, vem com a carteira na mão e diz:

- Vai te fazer um bem danano! É muito nutritivo.

Meu Deussss, ele falava sério!!!

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Conversa de pai e filho

Treinou dias para esta conversa:

-Pai, tenho algo pra te contar.
- Algum problema meu filho?
- Não exatamante...
- S
omos amigos, filho, confie em mim. Ou quer me deixar nervoso?
- N
ão é esta a intensão pai, fique calmo, é coisa boba.
- Fiquei, agora conte.
- Vou deixar a faculdade...
- Como? Você enlouqueceu? Deixar o penúltimo ano de engenharia assim, do nada? Existe algo que eu n
ão sei? Meu Deus do céu filho...
- Nada disso pai. Só acho que me dou melhor com as letras. Quero me dedicar à literatura.

O pai respira fundo.

-Literatura... Tá gozando da minha cara? Literatura? Isso é coisa de viado e filho meu vai fazer é ponte e n
ão livrinho pra madame ler! Mas era só o que me faltava...e o que é que você vai escrever? Desde quando sabe escrever?
- N
ão sei pai, posso escrever muitas coisas, poesia...
- Poesia? Filho, você é bicha? Bem que comentei com a sua m
ãe. Nunca entendemos o seu rompimento com a Carlinha...um mulherão. Aposto que foi por causa da poesia.
-
Mais respeito comigo pai. Na verdade ela nunca apoiou os meus projetos. Aspiramos diferentes coisas na vida.
- Mais respeito comigo digo eu, oras! Onde já se viu, largar aquela gostosinha e a faculdade pra escrever rimas...
- N
ão são rimas pai, são poesias. E nem sei se terei jeito para a poes...
- Tá me chamando de ignorante? Pois ent
ão, não vai rolar rima, poesia, merda alguma. Você vai voltar é pra faculdade e pra Carlinha. E se eu ouvir essa história de literatura nesta casa novamente eu juro que te encho de porrada.
- Mas e se eu continuar estudando e dedicar-me à literatura ao mesmo tempo, pode?
- Hum...poder n
ão pode. Já sei, com uma condição. Volte pra Carlinha, coma ela e a melhor amiga dela. Grave tudo com a sua webcam e aí eu te digo se pode.
- Mas pai, isso é monstruoso, desprezível!
- Desprezível é ter um filho viado. Ou é isso ou nada. Passe esse telefone que eu mesmo ligo pra Carlinha...Alô, Carlinha. Tudo bem querida, a Dora e eu também sentimos a sua falta. Só um minutinho que o Beto tem uma coisa importantíssima pra te dizer...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A morte do príncipe encantado

Toda sua vida foi idealista, principalmente quando o assunto era homem. Reconhecia que príncipe encantado era coisa ultrapassada, mas quem disse que isso a afetava. Suas amigas a indagavam se aquilo era tipo ou se realmente pensava assim. Por mais que confirmasse sua convicção, não era o suficiente.
Os comentários maldosos pouco importavam, o que ela gostava mesmo de fazer era encostar a cabeça no travesseiro e imaginá-lo: loiro? careca? moreno? magro? alto? gordo? baixo...

E de tanto insistir nesse negócio de amor à antiga, não é que ela encontrou o tal príncipe!
Um sujeito boa praça, prestes a formar-se em Direito, falava três idiomas e era rico! Não pensou duas vezes e se atirou de braços abertos à exploração de seu novo reino.

Todos os dias se encontravam. E quando isso não era possível, a vida lhe era impossível e insuportável para quem convivia ao seu lado. Era desses amores que causava náuseas, principalmente nas amigas que não tiveram a mesma sorte que a sua.

Passam meses, alguns anos e veio o casamento.
Era realmente uma princesa ao lado de seu príncipe. Mas como toda a história de princesa sempre aparece uma bruxa ou um feitiço...

Tudo começou com o mal hálito matutino, que pôde suportar criando a tática de deixar algumas balas na cabeceira da cama. Porém, logo vieram os roncos, as caspas, as cuecas despejadas no tanque (e porque não no meio da casa?), as meias e toalhas de banho atiradas no quarto. Já não suportava mais o descenso de princesa à de dona-de-casa. Exalava desinfetante com sabão em pó e sua tez já era opaca e encardida feito as cuecas do marido.

Como toda e boa mulher, acreditou que era uma fase e que conversando as coisas poderiam mudar. Até certo ponto tinha razão; o príncipe saiu do pedestal à pia de louças. Mas não por muito tempo. Nem os livros de auto-ajuda que soletrava de cor funcionavam, e os conselhos do psicólogo de canalizar o estresse ao diálogo, tampouco. Que se dane a psicologia! pensou.

Um dia desses, ela recebeu em mãos o atestado de óbito do príncipe: descobriu o motivo pelo qual os dois já não transavam. Valquíria era o seu nome. Sim, nome de biscate. E a puta tinha nome e endereço, mais precisamente um endereço virtual. Aquilo a feriu tão profundamente que decidiu acabar com aquela história de amor para a vida inteira. Não pensou, porque mulher irada não pensa. Aguardou a chegada do homem em seu cavalo branco, partindo a sua cabeça com o multilimpador que comprou numa promoção na TV. Com ar curioso, olhou o sangue brotar do crânio afundado com certo prazer, admitindo que, atirado no chão, a carcaça lembrava muito a de um sapo boi.

Não foi presa. Foi absolvida com uma fiança generosa, paga, claro, com o dinheiro do marido defunto. E não é que ela foi ao seu enterro? Bastante abatida, velou o morto e seus sonhos de conto de fadas, e para concluir o ato fúnebre, num último suspiro de nobreza, atirou contra o caixão o seu cetro de ouro, enterrando definitivamente a última dinastia real.



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