sexta-feira, 30 de julho de 2010

Descansando a carcaça

Após dias duríssimos, estressantes, regados a antibióticos e visitas inesperadas de ambulâncias com médicos e injeções em mãos, afrontei as estatísticas de um recém pós aumento e ascensão laboral e tomei uns dias de férias, afinal, ninguém é de ferro. Fui literalmente ao cu do mundo. Interior mesmo, com direito a ficar engarrafada no trânsito pelo cavalo que empacou ou porque dois singelos caipiras desdentados decidiram que o cruzamento era o lugar certo pra botar o papo em dia...

Se não fosse a terceira vez que chorava naquela cama, numa tentativa frustrada de clemência à médica que segurava a benzetacil na mão, estaria contente. Coisa boa a tal da licença médica. Dia de semana, após um feriado prolongado, ficar em casa por causa de uma gripinha seria uma ótima desculpa para botar o Godard em dia. Mas não, ele continuaria a me esperar como um bom francês no meu computador, porque, novamente, não era um mísero resfriado. Coisa séria, levei corticoide na bunda, com direito a ambulância ficar de plantão na frente do prédio em caso de urgência. Daria tudo para estar no escritório aquele dia, justamente porque a última vez que vi a cara do meu chefe foi quando ele escreveu a cifra da minha felicidade no papelzinho que ocupava um cantinho insignificante de sua mesa. Maldita garganta, amígdalas, febre. Já havia caído doente naquele mês três vezes.

Cheguei à casa de meus pais no fim de um sábado chuvoso.Veio minha irmã, pai e sobrinha me buscar na rodoviária. O amor da família é um santo remédio, e eu já me sentia praticamente curada do estresse, da dor de corpo e qualquer outra coisa ruim que habita em mim quando habito Buenos Aires.
Revi amigos, fui tia em tempo integral. Roubei milho na estrada, comi feito besta e até falar com o R puxado falei, sem remorso de haver nascido na cidade grande e preconceituosa com os sotaques como São Paulo é. Tomei banho de sol, fui na horta do seu Olando comprar couve e mandioca e andei de bicicleta com a minha irmã, onde passamos vários minutos tentando focar a nossa cara suada, o pôr-do-sol e o cemitério que descansava em paz logo ao fundo para publicar no Orkut.

Posso dizer que me recuperei a tal ponto de não querer mais voltar de onde vim. Abandonar o aumento, a ascensão, o namorado, a pós graduação, a cidade cool, o meu futuro, tudo. Queria ficar atirada feito bicho preguiça na rede e me preocupar apenas com o jantar. Ganhar dinheiro pra quê, se não posso desfrutá-lo como gostaria. Viver mesmo, vivem as pessoas do interior, entre o verde intenso e o canto dos passarinhos. Mas ilusão bucólica durou pouco. O meu eu capitalista foi mais forte e, mesmo chorando, sofrendo feito condenada, voltei pra cidade grande estrangeira.

Não foi difícil cair na dura realidade. A falta de educação, sorriso e cordialidade eram mais que um cartaz de "boas vindas". Era a minha realidade, não definitiva, mas era a vida que eu escolhi viver por enquanto.
Vi a cara do Luis, ansioso, já sabendo a tempestade que vinha pela frente - sofro muito com a readaptação. Abraço afetuoso, cambaleante, me aconcheguei entre seus braços e seu casaco e cachecol espalhafatoso. Ele me ajudou com as malas, pedimos o taxi, disse algo a ele e eis que surgiu uma louca que começou a gritar qualquer coisa sobre trabalho, ditadura e me ameaçando me atirou um saco gigante nas minhas costas. Se não fosse papeis o conteúdo daquele saco e a intervenção jediaca do Luis, a louca teria destruído a minha coluna. Enquanto ela berrava que eu não a faria trabalhar de forma alguma, refletia a ironia que é a minha vida.  Enfim, em casa, pensei, já me preparando para uma recaída.

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