sexta-feira, 3 de julho de 2009

A morte do príncipe encantado

Toda sua vida foi idealista, principalmente quando o assunto era homem. Reconhecia que príncipe encantado era coisa ultrapassada, mas quem disse que isso a afetava. Suas amigas a indagavam se aquilo era tipo ou se realmente pensava assim. Por mais que confirmasse sua convicção, não era o suficiente.
Os comentários maldosos pouco importavam, o que ela gostava mesmo de fazer era encostar a cabeça no travesseiro e imaginá-lo: loiro? careca? moreno? magro? alto? gordo? baixo...

E de tanto insistir nesse negócio de amor à antiga, não é que ela encontrou o tal príncipe!
Um sujeito boa praça, prestes a formar-se em Direito, falava três idiomas e era rico! Não pensou duas vezes e se atirou de braços abertos à exploração de seu novo reino.

Todos os dias se encontravam. E quando isso não era possível, a vida lhe era impossível e insuportável para quem convivia ao seu lado. Era desses amores que causava náuseas, principalmente nas amigas que não tiveram a mesma sorte que a sua.

Passam meses, alguns anos e veio o casamento.
Era realmente uma princesa ao lado de seu príncipe. Mas como toda a história de princesa sempre aparece uma bruxa ou um feitiço...

Tudo começou com o mal hálito matutino, que pôde suportar criando a tática de deixar algumas balas na cabeceira da cama. Porém, logo vieram os roncos, as caspas, as cuecas despejadas no tanque (e porque não no meio da casa?), as meias e toalhas de banho atiradas no quarto. Já não suportava mais o descenso de princesa à de dona-de-casa. Exalava desinfetante com sabão em pó e sua tez já era opaca e encardida feito as cuecas do marido.

Como toda e boa mulher, acreditou que era uma fase e que conversando as coisas poderiam mudar. Até certo ponto tinha razão; o príncipe saiu do pedestal à pia de louças. Mas não por muito tempo. Nem os livros de auto-ajuda que soletrava de cor funcionavam, e os conselhos do psicólogo de canalizar o estresse ao diálogo, tampouco. Que se dane a psicologia! pensou.

Um dia desses, ela recebeu em mãos o atestado de óbito do príncipe: descobriu o motivo pelo qual os dois já não transavam. Valquíria era o seu nome. Sim, nome de biscate. E a puta tinha nome e endereço, mais precisamente um endereço virtual. Aquilo a feriu tão profundamente que decidiu acabar com aquela história de amor para a vida inteira. Não pensou, porque mulher irada não pensa. Aguardou a chegada do homem em seu cavalo branco, partindo a sua cabeça com o multilimpador que comprou numa promoção na TV. Com ar curioso, olhou o sangue brotar do crânio afundado com certo prazer, admitindo que, atirado no chão, a carcaça lembrava muito a de um sapo boi.

Não foi presa. Foi absolvida com uma fiança generosa, paga, claro, com o dinheiro do marido defunto. E não é que ela foi ao seu enterro? Bastante abatida, velou o morto e seus sonhos de conto de fadas, e para concluir o ato fúnebre, num último suspiro de nobreza, atirou contra o caixão o seu cetro de ouro, enterrando definitivamente a última dinastia real.



Um comentário:

  1. oi
    nossa, como seu texto me lembra "contos de amor rasgados" da marina colassanti...
    se nao leu ainda leia...

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