Tá certo! Em algumas oportunidades eu os defendi, assumo. Mas é que, até então, jamais havia passado uma Copa do Mundo perto deles, no país deles. Mas depois de ontem, tudo mudou.
Com o final da partida, tive que aturar comentários do tipo fomos melhor que o Brasil, cadê os jogadores brasileiros, que marcaram só 2 gols na Coreia do Norte?
Enfim, a tão famosa arrogância argentina estava lá, encurralando a única brasileira naquele escritório cheio de argentinos felizes.
No primeiro jogo, até pensei "quanta humildade". Cheguei a cogitar que por muitos anos, fomos injustos com os nossos vizinhos. Há, quanta ingenuidade a minha...
Estava lá na minha mesa, tranquila e rezando para que a Coreia fizesse um gol. Mas os coreanos jogavam tão mal, que tomaram 4 boladas na rede, para a infelicidade deles e a minha, que tinha que aturar os festejos e as comparações com o Brasil. Que mania chata essa, de sempre querer se comparar com a gente, pensei enquanto esvaziava com ruído o ar que inflava as minhas bochechas.
Éramos uns 30 assistindo ao jogo. Por compromisso, tinha que ver, né. Além de tudo, eles ainda esperavam que eu torcesse para eles! Agora você mora aqui, tem que torcer pra gente, diziam com ar de deboche. É ruim hein! A cada gol, felicidade ia aumentando, as provocações crescendo, até que não aguentei mais o desaforo. Fui na minha bolsa, tirei a camiseta oficial da seleção que ganhei na minha última viagem ao Brasil e atirei a coitada em cima deles.
Quem sabe tocando a nossa camiseta, vocês tem alguma sorte e um dia chegam a ter a quantidade de copas ganhas como a gente. Igualmente, o talento é intransferível. Mas a esperança é a última que morre!
Houve gritos, protestos e até uma idiota, que nem olhando para o telão estava, disse aos berros que eu não tinha códigos. Não minha filha, com gente chata eu não tenho e com argentino (in)feliz, ainda menos, pensei, claro. Afinal eu era uma e eles trinta. Eu é que não queria ser atirada pela janela daquele décimo andar e morrer sem ver o Brasil estar melhor classificado que eles, há!
sexta-feira, 18 de junho de 2010
sábado, 12 de junho de 2010
A verdade sobre o dia dos namorados
O dia está frio, nublado e você está sendo bombardeada por publicidades com casais apaixonados, que se beijam melosamente através de uma musiquinha irritante - que em qualquer outro dia do ano te faria levantar da sala, ligar o computador e mandar um email pornográfico a seus amigos. Mas hoje é diferente. Hoje não é um dia qualquer, é o dia dos namorados e você se sente no dever de se torturar com o fato de não ter ninguém para te abraçar, beijar ou presentear. Definitivamente, é a data perfeita para você se sentir um lixo, uma excluída e uma encalhada. Está morrendo de inveja das amigas que tem um jantar romântico marcado, uma camisa polo para dar de presente. Nem adianta olhar no seu celularzinho minha filha, seu ficante não vai te faz uma proposta de última hora. Você está perdida...
Mulheres! E aos homens também! Que coisa mais blasé ser vítima do consumismo. É óbvio que esta maldita data é para fomentar o comércio - tantos dos casais enamorados, quanto dos solteiros, pois os últimos, deprimidos, vão consumir horrores de chocolates, lencinhos de papel, filmes de comédia romântica e velas para o coitado do Santo Antônio, outra vítima do sistema. Tá certo, você vai dizer "tá falando isso, porque tem namorado". Sim, estou falando isso porque tenho namorado e pior, duas datas para "comemorar" (a do Brasil e a do resto do mundo, que inclui a Argentina). Então minha filha (o), sou doutora no assunto e digo com toda a autoridade que você é um felizardo e que nós, os "apaixonados", somos as verdadeiras vítimas.
Pensemos por outro ângulo: você já imaginou o saco que é comprar um adidas star wars com o motivo do mestre Yoda? ou ter que procurar um jogo "superbacana" para a Playstation? ou uma calsa que não lhe aperte as bolas? (e como é que você vai saber isso se não tem bolas?). E você marmanjão, sabe a merda que é enfrentar uma fila infinita para pagar apenas o presentinho da namorada, para depois ela te dizer que você errou no tamanho, na cor, na textura, na marca, que a este preço ela renovaria o guarda-roupa inteiro....Sabe? Não, não sabe.
Sinceramente, não sei o que acontece, mas quando se trata do dia dos namorados, parece que todo mundo enxerga a realidade sob a perspectiva do O Boticário ou das Lojas Marisa, com aquelas publicidades cheias de dengo. E a realidade não é provida de tantos amores não minha senhora (ou senhor). A realidade tem chulé, deixa as cuecas jogadas debaixo da cama e mesmo vivendo com você há mais de 3 anos, te pergunta se ao invés de ir ao restaurante italiano, se o delivery do Burger King não estaria de bom tamanho!
Tem, tem coisas boas sim. Mas elas não acontecem apenas no dia 12 de junho. Se o amor, se o cara (ou mina) que está ao seu lado for pra valer, as cenas boticarianas ou lojasmarisiana ocorrem em ocasiões menos esperadas, que é o que dá o verdadeiro charme na relação. Mas vai por mim, tudo tem a sua fase. A fase de estar sozinho, que defino de auto-conhecimento, depois a de conhecer alguém bacana - sem o compromisso de que ela seja a pessoa certa, e finalmente a fase de estar com a pessoa certa - que vai fazer você duvidar, delirar, até concluir que acertou no bingo. E a partir daí, é desfrutar as coisas bacanas que uma relação a dois proporciona, sem esquecer lógico, que as brigas, os desentendimentos, as diferenças de opinião também fazem parte dela.
Então, se está sozinha (o), deixe de lado essa melancolia toda. Aproveite a fase em que está. Liga para os amigos, abram uma cerveja bem gelada e festejem a vida por si só. O comércio cervejeiro agradece e eu também, pois não aguento mais ler essas mensagens de gente encalhada pelo Orkut, Facebook, Twit...
Mulheres! E aos homens também! Que coisa mais blasé ser vítima do consumismo. É óbvio que esta maldita data é para fomentar o comércio - tantos dos casais enamorados, quanto dos solteiros, pois os últimos, deprimidos, vão consumir horrores de chocolates, lencinhos de papel, filmes de comédia romântica e velas para o coitado do Santo Antônio, outra vítima do sistema. Tá certo, você vai dizer "tá falando isso, porque tem namorado". Sim, estou falando isso porque tenho namorado e pior, duas datas para "comemorar" (a do Brasil e a do resto do mundo, que inclui a Argentina). Então minha filha (o), sou doutora no assunto e digo com toda a autoridade que você é um felizardo e que nós, os "apaixonados", somos as verdadeiras vítimas.
Pensemos por outro ângulo: você já imaginou o saco que é comprar um adidas star wars com o motivo do mestre Yoda? ou ter que procurar um jogo "superbacana" para a Playstation? ou uma calsa que não lhe aperte as bolas? (e como é que você vai saber isso se não tem bolas?). E você marmanjão, sabe a merda que é enfrentar uma fila infinita para pagar apenas o presentinho da namorada, para depois ela te dizer que você errou no tamanho, na cor, na textura, na marca, que a este preço ela renovaria o guarda-roupa inteiro....Sabe? Não, não sabe.
Sinceramente, não sei o que acontece, mas quando se trata do dia dos namorados, parece que todo mundo enxerga a realidade sob a perspectiva do O Boticário ou das Lojas Marisa, com aquelas publicidades cheias de dengo. E a realidade não é provida de tantos amores não minha senhora (ou senhor). A realidade tem chulé, deixa as cuecas jogadas debaixo da cama e mesmo vivendo com você há mais de 3 anos, te pergunta se ao invés de ir ao restaurante italiano, se o delivery do Burger King não estaria de bom tamanho!
Tem, tem coisas boas sim. Mas elas não acontecem apenas no dia 12 de junho. Se o amor, se o cara (ou mina) que está ao seu lado for pra valer, as cenas boticarianas ou lojasmarisiana ocorrem em ocasiões menos esperadas, que é o que dá o verdadeiro charme na relação. Mas vai por mim, tudo tem a sua fase. A fase de estar sozinho, que defino de auto-conhecimento, depois a de conhecer alguém bacana - sem o compromisso de que ela seja a pessoa certa, e finalmente a fase de estar com a pessoa certa - que vai fazer você duvidar, delirar, até concluir que acertou no bingo. E a partir daí, é desfrutar as coisas bacanas que uma relação a dois proporciona, sem esquecer lógico, que as brigas, os desentendimentos, as diferenças de opinião também fazem parte dela.
Então, se está sozinha (o), deixe de lado essa melancolia toda. Aproveite a fase em que está. Liga para os amigos, abram uma cerveja bem gelada e festejem a vida por si só. O comércio cervejeiro agradece e eu também, pois não aguento mais ler essas mensagens de gente encalhada pelo Orkut, Facebook, Twit...
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A verdade sobre o dia dos namorados
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Déjà vu - o que passou, ficou para trás
Não preciso dizer que trabalhei demais, cansei pra caramba e que essa viagem foi muito emotiva. Tá certo, estressante, afinal, não é todo dia que você volta às suas origens, se depara com suas amigas de infância 15 anos mais velhas, casadas ou com filhos, (enquanto você é uma pessoa sem residência fixa, acredita que o amor é passageiro e um filho está completamente fora da sua inconstante realidade). Algumas coisas que vi foram surpreendentes (para bem e para mal). O saldo disso tudo é que pela primeira vez fiquei muito feliz por voltar a Buenos Aires: enfim, em casa.
Pode ser que a mistura de calmante, dramamim e vinho vagabundo servido no avião tenha gerado certa confusão no meu eu interior: fiquei radiante quando o comandante do voo 1428, das Aerolíneas Argentinas, disse "bienvenido a todos a la ciudad de Buenos Aires...". Estava de volta. Isso significava de volta ao mau humor, aos metrôs que nunca funcionam e à comida sem graça da minha sogra. Mas, apesar disso, estava sinceramente feliz. Senti um profundo sentimento de gratidão pelo céu azul que me recepcionava, juntamente com os belos edifícios de arquiterura francesa que se extendiam pela avenida Libertador. Era como se fosse a minha primeira vez em Buenos Aires. Meus olhos registravam cada detalhe, cada movimento de gente. O país estava comemorando o seu bicentenário e o feriado prolongado (de 4 dias) dava um tom de felicidade no semblante dos argentinos, deixando-os completamente irresistíveis.
- El pueblo está feliz, disse o taxista, querendo puxar conversa.
- É mesmo?
- Sim. O povo argentino está feliz com sua presidenta. (Agora imaginem que estão lendo através de uma tecla SAP)
Opa, opa, opa. Para tudo! Comecei a ficar preocupada. Havia apenas uma semana que tinha deixado o país, e nessa ocasião o povo odiava a Cristina Fernandez. Freneticamente, comecei a procurar na minha bolsa que tipo de calmante a minha sogra havia me dado, pois eu só podia estar ficando maluca (ou muito dopada), oras bolas, o povo feliz com a senhora Kirchner?
- Mas o que aconteceu que o povo está sentindo esse amor súbito pela presidenta?
- Aumentaram os empregos, a pobreza está diminuindo. Se ela se candidatasse hoje, ela ganharia.
Ufa, fiquei parcialmente despreocupada. Eu não estava louca, o taxista sim, certamente havia injetado ou cheirado qualquer merda aquele dia.
- Mas meu senhor, nós sabemos que as coisas não mudam de uma semana para outra. Há uma semana vi muita pobreza, crise, inflação. Isso é jogada política, pelo bicentenário.
A discussão não foi muito longe, quando descobri que o tiozinho era peronista...
Enquanto o taxi se deslizava pelas belas ruas de Belgrano, não podia deixar de recordar o que vi em São Paulo. Eu estava confusa, a viagem me causou um grande desconforto moral. Sentimento parecido quando visitei a casa do Luis pela primeira vez. Apertada, fui indicada ao banheiro. Tudo muito bonito, organizado e por sorte, com o sanitário inclinado - odeio quando faço xixi em casa alheia e descubro que o sanitário é daqueles retos, cuja urina cai diretamente na água. Isso me inibe e ao invés de despejar todo o conteúdo de uma vez só, fico emitindo rajadas, o que piora a sonorização e o meu período de angústia. Mas como disse, o sanitário do Luis era inclinado e não fazia ruídos. Mas como comigo nada é de graça, percebi que eles não tinham a lixeirinha para jogar o papel. Eu é que não ia jogar na privada, imaginem só se eu entupisse o negócio dos outros, muito desagradável. O que fiz? Como uma boa dama, dobrei o papel bem dobradinho, tendo o cuidado de encapá-lo com outra camada de papel, colocando-o na caixa de escovas de cabelo da minha futura sogra. Mas é certo que fiquei com dor na consciência, então, para a segunda mijada, juntei o novo com o antigo e os guardei no bolso. Na primeira oportunidade os atirei no lixo da rua. Claro que muito depois, descobri que o sanitário do Luis - além de inclinadinho, estava apto para receber papéis de qualquer grossor. Maldiçãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaao!
De volta a São Paulo, meu desconforto moral se deu pela pobreza que vi no bairro em que nasci e cresci. Sou filha da periferia paulistana, bairro de classe trabalhadora, que no meu imaginário infantil era sim, o melhor lugar do mundo para se viver! Tudo bem que em duas oportunidades, indo na padaria de manhã, vi dois homens mortos a balaços (esclareço, um morto para cada ocasião). Mas fora isso, era um lugar super tranquilo para brincar na rua, fazer amigos e soltar pipa. Foi nesse mesmo lugar que pintei a rua durante algumas copas e fiz muitas bandeirinhas nela para a festa junina, pulei corda, me apaixonei e dancei minha primeira música lenta. Aliás, estudei 8 anos na mesma escola e é óbvio que tinha um carinho muito especial por tudo aquilo. Mas, certa vez, meu pai disse que aquele lugar era uma merda e fomos morar no Paraná, porque era mais seguro e tinha uma melhor qualidade de vida.
Claro que morando no interior foi difícil me adaptar às músicas, às saídas, à cultura local. Acabei me acostumando, fazendo novos amigos, mas sempre ostentando uma nostalgia caetana por Sampa. Retornei poucas vezes à cidade, com tempo insuficiente para fazer uma análise crítica.
Como dessa vez teria tempo para percorrer o Cangaíba, queria visitar a padaria - cujo no seu percurso havia encontrado os dois defuntos assassinados; os lojistas onde compravam meu material escolar; o farmacêutico que eu praguejava quando tinha que tomar uma benzetacil na bunda; a cabelereira que cortava meus cabelos, enfim, o povo o bairro. Alguns visitei, conversei e outros até se lembravam de mim. Comi o pão vanderleia, que na minha infância era o melhor pão do mundo - não sei se eu romantizei demais ou se o padeiro errou a mão naquele dia, mas que pãozinho ruim! Visitei o japonês careiro, que vendia material escolar, coitado. Estava viúdo, completamente paralizado do lado esquerdo e sozinho. Dava para notar sua solidão de longe e que tentava se virar como dava. A cabelereira havia morrido de câncer e o farmacêutico, deixado São Paulo. Fui rever o colégio em que estudei. No caminho, um homem e um menino de no máximo 11 anos, ambos cheirando cola. Passei pela rua da casa em que praticamente nasci e vivi até meus 12 anos, e lá uma imagem muito chocante: uns 4 adolescentes, novinhos, sentados na porta de uma creche cheirando lança perfume.
A copa está próxima, a festa junina também. Não havia ruas pintadas, nem bandeirinhas coloridas. Só casas cheias de grade, gente encerrada e gente jovem, muito jovem na rua se drogando. As bonitas casas que havia na minha rua, agora eram ruínas. Não havia mais os pipas, as cordas, as cantigas, os risos das crianças, nada. Apenas um cenário desolado e ameaçador. Fiquei profundamente chocada e aliviada por não estar mais ali. Triste, pois era um dos lugares mais especiais da minha vida e que agora nada mais eram que um amontoado de gente com suas casas velhas, feias, cobertas por grades.
Reencontrei as minhas amigas de infância. Foi estranho, pois eu não era eu quando as conheci e nem quando fui embora. Quando pensamos no passado, acreditamos que vamos encontrar tudo como deixamos, besteira! Eu mudei, elas mudaram, a cidade mudou. A reunião que foi agradável, também foi esquisita. Tínhamos tanto para contar e saber, mas era como estar conversando com gente estranha. Passaram-se muitos anos, é certo. O que nos unia naquela tarde de sábado era o passado, nada mais; os colegas que casaram, os que morreram, os que conseguiram estudar. Uma das minhas amigas teve um bebê recentemente, e essa sim é uma vencedora, passou por uns bocados na vida e agora está lá, com sua família formada. Estou muito orgulhosa e feliz por ela, mesmo!
Talvez essa viagem foi uma oportunidade para eu valorizar o que sou e o que conquistei até então. Mesmo sendo uma experiência demasiada forte, foi uma análise indispensável de uma Michele que viveu há 15 anos atrás e esta Michele de hoje. Houve evolução, sendo assim, o saldo foi positivo. Lamento por muitos que não tiveram a mesma que a minha. Me sinto uma filha do rigor, comparada com tantas almas perdidas daquela selva de pedras, e prefiro tentar não perder a doce lembrança das imagens que tenho guardadas da minha infància, embora, com o que vi ache isso difícil.
Pela primeira vez, em quase 3 anos, finalmente senti que Buenos Aires era a minha casa, o meu lugar por mais provisório que seja. Realmente estou orgulhosa de mim, mesmo não tendo me casado, sem filhos, sem casa própria. Adquiri muito conhecimento e continuo nessa busca, sem cansar, obtendo resultados que, talvez, jamais pensaria lograr. Hoje, sou muito melhor do que fui ontem, é isso o que realmente importa.
O que passou, valeu, mas já é passado.
Pode ser que a mistura de calmante, dramamim e vinho vagabundo servido no avião tenha gerado certa confusão no meu eu interior: fiquei radiante quando o comandante do voo 1428, das Aerolíneas Argentinas, disse "bienvenido a todos a la ciudad de Buenos Aires...". Estava de volta. Isso significava de volta ao mau humor, aos metrôs que nunca funcionam e à comida sem graça da minha sogra. Mas, apesar disso, estava sinceramente feliz. Senti um profundo sentimento de gratidão pelo céu azul que me recepcionava, juntamente com os belos edifícios de arquiterura francesa que se extendiam pela avenida Libertador. Era como se fosse a minha primeira vez em Buenos Aires. Meus olhos registravam cada detalhe, cada movimento de gente. O país estava comemorando o seu bicentenário e o feriado prolongado (de 4 dias) dava um tom de felicidade no semblante dos argentinos, deixando-os completamente irresistíveis.
- El pueblo está feliz, disse o taxista, querendo puxar conversa.
- É mesmo?
- Sim. O povo argentino está feliz com sua presidenta. (Agora imaginem que estão lendo através de uma tecla SAP)
Opa, opa, opa. Para tudo! Comecei a ficar preocupada. Havia apenas uma semana que tinha deixado o país, e nessa ocasião o povo odiava a Cristina Fernandez. Freneticamente, comecei a procurar na minha bolsa que tipo de calmante a minha sogra havia me dado, pois eu só podia estar ficando maluca (ou muito dopada), oras bolas, o povo feliz com a senhora Kirchner?
- Mas o que aconteceu que o povo está sentindo esse amor súbito pela presidenta?
- Aumentaram os empregos, a pobreza está diminuindo. Se ela se candidatasse hoje, ela ganharia.
Ufa, fiquei parcialmente despreocupada. Eu não estava louca, o taxista sim, certamente havia injetado ou cheirado qualquer merda aquele dia.
- Mas meu senhor, nós sabemos que as coisas não mudam de uma semana para outra. Há uma semana vi muita pobreza, crise, inflação. Isso é jogada política, pelo bicentenário.
A discussão não foi muito longe, quando descobri que o tiozinho era peronista...
Enquanto o taxi se deslizava pelas belas ruas de Belgrano, não podia deixar de recordar o que vi em São Paulo. Eu estava confusa, a viagem me causou um grande desconforto moral. Sentimento parecido quando visitei a casa do Luis pela primeira vez. Apertada, fui indicada ao banheiro. Tudo muito bonito, organizado e por sorte, com o sanitário inclinado - odeio quando faço xixi em casa alheia e descubro que o sanitário é daqueles retos, cuja urina cai diretamente na água. Isso me inibe e ao invés de despejar todo o conteúdo de uma vez só, fico emitindo rajadas, o que piora a sonorização e o meu período de angústia. Mas como disse, o sanitário do Luis era inclinado e não fazia ruídos. Mas como comigo nada é de graça, percebi que eles não tinham a lixeirinha para jogar o papel. Eu é que não ia jogar na privada, imaginem só se eu entupisse o negócio dos outros, muito desagradável. O que fiz? Como uma boa dama, dobrei o papel bem dobradinho, tendo o cuidado de encapá-lo com outra camada de papel, colocando-o na caixa de escovas de cabelo da minha futura sogra. Mas é certo que fiquei com dor na consciência, então, para a segunda mijada, juntei o novo com o antigo e os guardei no bolso. Na primeira oportunidade os atirei no lixo da rua. Claro que muito depois, descobri que o sanitário do Luis - além de inclinadinho, estava apto para receber papéis de qualquer grossor. Maldiçãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaao!
De volta a São Paulo, meu desconforto moral se deu pela pobreza que vi no bairro em que nasci e cresci. Sou filha da periferia paulistana, bairro de classe trabalhadora, que no meu imaginário infantil era sim, o melhor lugar do mundo para se viver! Tudo bem que em duas oportunidades, indo na padaria de manhã, vi dois homens mortos a balaços (esclareço, um morto para cada ocasião). Mas fora isso, era um lugar super tranquilo para brincar na rua, fazer amigos e soltar pipa. Foi nesse mesmo lugar que pintei a rua durante algumas copas e fiz muitas bandeirinhas nela para a festa junina, pulei corda, me apaixonei e dancei minha primeira música lenta. Aliás, estudei 8 anos na mesma escola e é óbvio que tinha um carinho muito especial por tudo aquilo. Mas, certa vez, meu pai disse que aquele lugar era uma merda e fomos morar no Paraná, porque era mais seguro e tinha uma melhor qualidade de vida.
Claro que morando no interior foi difícil me adaptar às músicas, às saídas, à cultura local. Acabei me acostumando, fazendo novos amigos, mas sempre ostentando uma nostalgia caetana por Sampa. Retornei poucas vezes à cidade, com tempo insuficiente para fazer uma análise crítica.
Como dessa vez teria tempo para percorrer o Cangaíba, queria visitar a padaria - cujo no seu percurso havia encontrado os dois defuntos assassinados; os lojistas onde compravam meu material escolar; o farmacêutico que eu praguejava quando tinha que tomar uma benzetacil na bunda; a cabelereira que cortava meus cabelos, enfim, o povo o bairro. Alguns visitei, conversei e outros até se lembravam de mim. Comi o pão vanderleia, que na minha infância era o melhor pão do mundo - não sei se eu romantizei demais ou se o padeiro errou a mão naquele dia, mas que pãozinho ruim! Visitei o japonês careiro, que vendia material escolar, coitado. Estava viúdo, completamente paralizado do lado esquerdo e sozinho. Dava para notar sua solidão de longe e que tentava se virar como dava. A cabelereira havia morrido de câncer e o farmacêutico, deixado São Paulo. Fui rever o colégio em que estudei. No caminho, um homem e um menino de no máximo 11 anos, ambos cheirando cola. Passei pela rua da casa em que praticamente nasci e vivi até meus 12 anos, e lá uma imagem muito chocante: uns 4 adolescentes, novinhos, sentados na porta de uma creche cheirando lança perfume.
A copa está próxima, a festa junina também. Não havia ruas pintadas, nem bandeirinhas coloridas. Só casas cheias de grade, gente encerrada e gente jovem, muito jovem na rua se drogando. As bonitas casas que havia na minha rua, agora eram ruínas. Não havia mais os pipas, as cordas, as cantigas, os risos das crianças, nada. Apenas um cenário desolado e ameaçador. Fiquei profundamente chocada e aliviada por não estar mais ali. Triste, pois era um dos lugares mais especiais da minha vida e que agora nada mais eram que um amontoado de gente com suas casas velhas, feias, cobertas por grades.
Reencontrei as minhas amigas de infância. Foi estranho, pois eu não era eu quando as conheci e nem quando fui embora. Quando pensamos no passado, acreditamos que vamos encontrar tudo como deixamos, besteira! Eu mudei, elas mudaram, a cidade mudou. A reunião que foi agradável, também foi esquisita. Tínhamos tanto para contar e saber, mas era como estar conversando com gente estranha. Passaram-se muitos anos, é certo. O que nos unia naquela tarde de sábado era o passado, nada mais; os colegas que casaram, os que morreram, os que conseguiram estudar. Uma das minhas amigas teve um bebê recentemente, e essa sim é uma vencedora, passou por uns bocados na vida e agora está lá, com sua família formada. Estou muito orgulhosa e feliz por ela, mesmo!
Talvez essa viagem foi uma oportunidade para eu valorizar o que sou e o que conquistei até então. Mesmo sendo uma experiência demasiada forte, foi uma análise indispensável de uma Michele que viveu há 15 anos atrás e esta Michele de hoje. Houve evolução, sendo assim, o saldo foi positivo. Lamento por muitos que não tiveram a mesma que a minha. Me sinto uma filha do rigor, comparada com tantas almas perdidas daquela selva de pedras, e prefiro tentar não perder a doce lembrança das imagens que tenho guardadas da minha infància, embora, com o que vi ache isso difícil.
Pela primeira vez, em quase 3 anos, finalmente senti que Buenos Aires era a minha casa, o meu lugar por mais provisório que seja. Realmente estou orgulhosa de mim, mesmo não tendo me casado, sem filhos, sem casa própria. Adquiri muito conhecimento e continuo nessa busca, sem cansar, obtendo resultados que, talvez, jamais pensaria lograr. Hoje, sou muito melhor do que fui ontem, é isso o que realmente importa.
O que passou, valeu, mas já é passado.
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