Ir ao hospital, sinceramente me deixa nervosa, e dependendo do tipo de exame que preciso fazer, piro. Se é pra uma dorzinha ou febre é mole, o problema é quando me pedem os tais exames de rotina. Primeiro, porque esse discurso de "é só pra garantir" é papo furado. Todas as vezes que fui ao médico para garantir alguma coisa, eu descobri que tinha algo. O engraçado é que o diagnóstico sempre é completamente diferente do que o médico imaginou.
No caso de hoje, meu médico pediu alguns exames porque desconfia que eu seja celíaca (esse drama, relatarei em outro post). Então, me pediu uma série de análises de sangue, urina, fezes e como se fosse pouco, uma tomografia, duas ecografias e alguns raio x´s. Eu já estava frustada pelo fato de não poder comer pão ou tomar cerveza, e agora a pouco eu estava faminta, desnutrida e ansiosa - combinação nada saudável para um dia de 38ºC. Digo faminta, porque para esses exames eu devia estar 12 horas em jejum e desnutrida, porque só lembrei disso quando estava no metrô indo trabalhar às 8:30 da manhã. E como eu não tomo café-da-manhã...
Às 17h (pontualmente), chego na clínica com a esperança de ser imediatamente atendida. Estava desesperada pela pizza de ontem, que me esperava na geladeira de casa. Mas uma série de fatos aconteceram e só pude comer quase 8 da noite.
Na sala de ecografia
Obviamente eu era a única paciente que não estava grávida. Observo uma médica branquelazeda pegando a minha pasta e a pronunciar erradamente o meu nome "Mitiele".
Detesto as ecografias; te lambuzam com um gel fedorento pra depois te darem um papel que não seca nada. O lado bom foi que logo veio um médico, muito bonitinho. Enquanto ele passava o gel na minha barriguinha, perguntou:
- Pra quê é o exame?
- Suspeita de celiaquia.
- Hum... Logo em seguida, fez uma cara estranha que eu não gosto.
O médico mexia e remexia o treco com gel na minha barriga e falava em javanês com a médica branquelazeda do lado.
- Você está com vontade de fazer xixi?
- N..na..não! Era para estar?
- Precisamos que esteja para fazer a ecografia pélvica.
- ???????
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Na recepção da clínica
- Moço, tem um copinho aí? É pro xixi.
- ??????????? (cara de susto).
- Não moço, é pra eu beber água e sentor vontade de fazer xixi.
- Ah....
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Na recepção com uma ideia sarcástica de assustar o Luis
Todas as vezes que vou ao médico, o Luis fica apreensivo. Ele já conhece a saúde precária da namorada.
Então, para sacanear esse lado frágil dele, retirei o celular da bolsa e comecei a rir sozinha. A velhinha varizenta do lado me olhou intrigada, mas nem liguei. Escrevi uma mensagem e enviei. Cinco segundos depois o celular tocou, mas não atendi porque o moço da tomografia me chamou. Após sair da tomografia, uma mensagem do Luis "atende". Eu já ria gargalhadas, porque havia enviado para ele a frase: "Estou grávida".
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Eu, no sétimo copinho de água
Já era a terceira vez que a médica branquelazeda me perguntava "e?". Eu não tinha vontade de mijar e estava longe de estar. Um senhor meia-idade ficava na torcida "oitavo copinho". Tive que chegar no décimo para sentir alguma coisa, mas uma loira bronzeada passou na minha vez. Aproveitei a deixa e corri para a radiografia.
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Na radiografia, com um peruano
A pergunta que nenhum espanofalante guarda na boca "de donde sos"? Expliquei as minhas origens e ele me orientou algo num espanhol incompreensível. Apareci na salinha de radiografia só de sutiã. E não era qualquer sutiã, era um super modelito sexy que mamis me deu. A questão é que eu devia estar sem o sutiã sim, mas devia usar a minha blusa por cima. Sem graça, o peruano me explicou pela segunda vez, como eu deveria estar vestida.
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Novamente na recepção
Liguei para o Luis, que antes mesmo de dizer alô me bombardeou com perguntas. Do outro lado eu ria e disse que era só pra ver a reação dele. É óbvio que ele quis me matar e nem me deixou dar maiores explicações. Tum, tum, tum...
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Finalmente, na sala de ecografias com o doutor bonito:
- Fique só de calcinha!
- Xiiiiiiiii, pensei em voz alta. Como a letra do médico era díficil de entender, passou batida a ecografia pélvica, que nada mais é que uma foto interna da bexiga. Meio sem jeito, fui tirando a calça e expondo a minha calcinha (do tamanho do Brasil), cheia de desenhos de coração, estrelinhas e frases como "I love you": uma verdadeira poluição visual apaixonada (também presente de mamis).
- Já foi, disse em voz alta de novo.
- Isso aqui está super gelado, avisou o médico esfregando o treco com gel na minha bexiga. Estava geladíssimo e de frio eu batia os dentes. (Explico, eu estava hipoglucêmica, há mais de 2 horas exposta ao ar condicionado, é natural que eu estivesse igual a esses frangos empanados da Sadia).
Já havia passado uns 20 minutos e o médico, ainda em javanês com a médica, continuava a cutucar a minha bexiga, prestes a explodir com os 10 copinhos de água.
- Doutor, se apertar mais vaza.
- É que estou vendo algo estranho aqui.
- Xiiiii.
- Nada com o que se preocupar. (Frase tirada da gaveta).
- Manda bala. Tá muito ruim ou mais ou menos?
- Vejo algo no seu fornix...
Neste exato momento, meu cérebro roubou a cena. Ele sempre é sarcástico quando na verdade, deveria se concentrar e me fazer parecer uma pessoa normal.
- Fornix? Isso parece uma derivação do verbo fornicar. Será que meu fornix se fodeu por fornicar?(Comecei a rir em voz alta).
- Hum?
- Nada não doutor, é que tá fazendo cócegas.
- Você já teve cálculo renal?
- Olha bem pra minha cara doutor. Eu lá tenho cara de quem fica colecionando pedrinhas? Hum...não!
- Então tá! Vejo algum crescimento de células.....(javanês).....mas não fique preocupada, não é nada grave, é só controlar isso periodicamente.
- Belê! Valeu doutor, você é bonito, mas até nunca mais!
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No elevador, em casa
Luis desceu para abrir a porta e do jeito que desceu, subiu sem me olhar na cara.
- Puxa, não sabia que ficaria tão decepcionado por não ser pai.
Ele olhou nos meus olhos, com olhos tão frios que só os espanhóis como ele conseguem ter.
- Isso não se faz!
- Mas...
- Por favor, não quero falar com você agora!
- Tá bom, tá bom...
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Olhando para a geladeira
- Onlyyyy yyyyouuuuuu (sempre canto essa música quando estou escolhendo algo para comer). Encontrei a tão desejada pizza e zazzz, enfiei uma inteira na boca.
- Isso vai fazer mal ao seu estômago! Olho para o Luis e meu cérebro diz "estraga prazer".
- Já sei, você está dizendo isso porque quer um pedacinho, né não?
- A...
- Pois agora, sou eu quem não vai falar com você!
- E posso saber por quê?
- Porque não se fala de boca cheia!
Disse, metendo o único outro pedaço dentro da boca.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Negociação
Eu tenho um problema patente. Você já deve ter notado pela quantidade de caracteres que escrevo. Posso até seguir as regrinhas que o Jornalismo exige para escrever objetivamente, mas na minha língua mando eu e não economizo quando quero falar. Até mesmo quando não quero. Falo pelos cotovelos e os homens tem problemas com as mulheres que falam demais. Aliás, não sou tagarela, diria que sou uma pessoa comunicativa. Neste caso, o Luis é completamente o oposto. Não que isso me incomode, tá bem, isso me incomoda; sabe como é, não é legal ouvir única e exclusivamente sua voz ecoando pela casa, e me frusta o fato de conseguir dele sempre um mísero e sonoro "uhum". Até que isso me tira do sério e eu pergunto:
- Amor, eu falo demais, né? Pode dizer.
- Não, você é expressiva. Como toda mulher, gosta de falar.
- Como assim, como toda mulher? Como assim, gosto de falar?
- Lá vem você com as armadilhas. Dependendo do que eu responder, ficará chateada e como castigo, me fará escutar um sermão daqueles...
- Viu, você está jogando na minha cara que eu falo demais. É isso, os homens, muito analíticos, não sabem se expressar, e criticam a nós mulheres que expomos em detalhes o que pensamos...
- Uhum.
- Ahh, viu só como tenho razão!
- Tá bom, então vou tentar te contar novamente a intensão do George Lucas quando escreveu Star Wars...
- Nem fudendo! A partir de hoje está decretado nesta casa que o gênero masculino terá a liberdade de dizer apenas uhum quantas vezes desejar, na condição de jamais explanar a intensão do George Lucas e de qualquer outro membro de Star Wars. Combinado?
- Uhum!
- Amor, eu falo demais, né? Pode dizer.
- Não, você é expressiva. Como toda mulher, gosta de falar.
- Como assim, como toda mulher? Como assim, gosto de falar?
- Lá vem você com as armadilhas. Dependendo do que eu responder, ficará chateada e como castigo, me fará escutar um sermão daqueles...
- Viu, você está jogando na minha cara que eu falo demais. É isso, os homens, muito analíticos, não sabem se expressar, e criticam a nós mulheres que expomos em detalhes o que pensamos...
- Uhum.
- Ahh, viu só como tenho razão!
- Tá bom, então vou tentar te contar novamente a intensão do George Lucas quando escreveu Star Wars...
- Nem fudendo! A partir de hoje está decretado nesta casa que o gênero masculino terá a liberdade de dizer apenas uhum quantas vezes desejar, na condição de jamais explanar a intensão do George Lucas e de qualquer outro membro de Star Wars. Combinado?
- Uhum!
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Quanta modernidade tio!
Ainda, lembranças da viagem. Mas agora é um relato do meu primeiro contato com um brasileiro, logo que cruzei a fronteira...
Xereta. Como todo brasileiro, o tio era curioso; perguntava demais e falava muito sobre sua vida. Só dei bola, não porque era bonito, até porque os homens muito mais velhos que eu não me atraem e muito menos quando são casados. Deixei ele falar porque ele era engraçado e em pouco tempo o tinha como um antigo conhecido.
Me contou que viajaria à Florianópolis no carnaval, que sua mulher havia brigado com a manicure que era sua comadre, que a filha menor passou de ano com a melhor nota da escola, e que a filha mais velha havia comprado um carro, porque havia passado num concurso de aeromoça da Tam. O papo estava interessante, quando de repente, ele começou a dar mais detalhes da vida da filha mais velha.
Este senhor, sem meandros, foi me dizendo que sua filha mais velha transava com o seu namorado em casa (isso, na casa dos pais!) e que ele a ensinou como usar o preservativo (???? !!!!). Certamente me espantei com a franqueza e a modernidade do tio, que sem a menor inibição mostrava com o seu dedo o que fez certa vez com uma cenoura. (Não preciso dizer que estávamos dentro de um ônibus cheio de gente, num silêncio mortal, todos a espera de maiores detalhes).
Eu tentava desviar o tema, até porque não é muito agradável falar de sexo da filha dos outros com um desconhecido. Mas me dei por vencida, porque o homem era realmente engraçado e eu não queria cortar o barato do pessoal no ônibus.
- Hum, então o senhor é um pai moderno?
- Sou minha filha, prefiro ter uma filha que transa com o namorado em casa, do que uma perdida que dá pra todo mundo.
- Interessante sua forma de ver as coisas...Meu pai jamais pertimiria isso.
- Isso é besteira. Deus me livre de perder uma filha minha pra Aids, e também pro tóxico (na verdade, ele disse tóchico). E eu também já expliquei para a `pequeninha´ como se usa a borracha.
- Mas a pequenina só tem 14 anos!
- Mas tem que saber, hoje as meninas estão se despertando mais cedo. E tem que botar, sabe como é, homem não consegue ver um rabo de saia que quer meter (sim, ele disse meter). Então, tenho que orientar e proteger as minhas filhas. E fico tranquilo saber que está ali no quarto com o namorado, no conforto, e que não está dando por aí e em qualquer lugar.
(Pasma, eu tentava manter toda a naturalidade do mundo, afinal sou uma jornalista e bióloga, prestes a iniciar um mestrado, com 30 anos, viajada. Não, não podia me espantar com um senhor rural que ensinava as suas filhas a evitarem a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis. Tinha que sentir orgulho desse pai visionário).
- Que bom, elas devem ter muito orgulho do senhor!
- Elas ficam meio assustadas com esse meu jeitão, sabe como é. É difícil ter pai assim como eu. Teve um dia que comprei drogas e levei lá pra elas, em casa. Disse que se queriam provar, iam ter que provar ali na minha frente.
- Mas o senhor poderia ser preso ou correr o risco de que elas gostassem!
- Que nada minha filha. A coisa é boa quando é proibida. Se a gente orienta bem os nossos filhos, a coisa proibida perde a graça. Quem gostou de fumar aquele treco fedido foi a minha mulher, mas as meninas nem quiseram provar.
- Tem respeito pelo senhor, imagino.
- E tem. Até o namorado da mais velha que usa brinco, sabe, detesto essa viadagem, homem de brinco, enfim, ele tira o brinco quando está na minha presença.
- Que bom!
- É bom e orientei ele também a botar camisinha quando for transar com a mulherada por aí...
Poderia passar muito tempo descrevendo os absurdos (não tão absurdos assim) que esse senhor me dizia. Ele continuou a falar e eu a escutar e o povo do ônibus a rir da minha situação. Eu estava constrangida, espantada e admirada por esse homem que educava suas filhas com um diálogo franco e realista. Completamente diferente do que faz muitos pais por aí, com seus discursos cheios de puritanismo hipócrita.
Foi uma experiência bacana. Quem diria que naquele dia, naquele ônibus, na véspera do ano novo, eu encontraria alguém como o seu Olímpico? É por isso que nunca nego um papinho com um estranho.
Xereta. Como todo brasileiro, o tio era curioso; perguntava demais e falava muito sobre sua vida. Só dei bola, não porque era bonito, até porque os homens muito mais velhos que eu não me atraem e muito menos quando são casados. Deixei ele falar porque ele era engraçado e em pouco tempo o tinha como um antigo conhecido.
Me contou que viajaria à Florianópolis no carnaval, que sua mulher havia brigado com a manicure que era sua comadre, que a filha menor passou de ano com a melhor nota da escola, e que a filha mais velha havia comprado um carro, porque havia passado num concurso de aeromoça da Tam. O papo estava interessante, quando de repente, ele começou a dar mais detalhes da vida da filha mais velha.
Este senhor, sem meandros, foi me dizendo que sua filha mais velha transava com o seu namorado em casa (isso, na casa dos pais!) e que ele a ensinou como usar o preservativo (???? !!!!). Certamente me espantei com a franqueza e a modernidade do tio, que sem a menor inibição mostrava com o seu dedo o que fez certa vez com uma cenoura. (Não preciso dizer que estávamos dentro de um ônibus cheio de gente, num silêncio mortal, todos a espera de maiores detalhes).
Eu tentava desviar o tema, até porque não é muito agradável falar de sexo da filha dos outros com um desconhecido. Mas me dei por vencida, porque o homem era realmente engraçado e eu não queria cortar o barato do pessoal no ônibus.
- Hum, então o senhor é um pai moderno?
- Sou minha filha, prefiro ter uma filha que transa com o namorado em casa, do que uma perdida que dá pra todo mundo.
- Interessante sua forma de ver as coisas...Meu pai jamais pertimiria isso.
- Isso é besteira. Deus me livre de perder uma filha minha pra Aids, e também pro tóxico (na verdade, ele disse tóchico). E eu também já expliquei para a `pequeninha´ como se usa a borracha.
- Mas a pequenina só tem 14 anos!
- Mas tem que saber, hoje as meninas estão se despertando mais cedo. E tem que botar, sabe como é, homem não consegue ver um rabo de saia que quer meter (sim, ele disse meter). Então, tenho que orientar e proteger as minhas filhas. E fico tranquilo saber que está ali no quarto com o namorado, no conforto, e que não está dando por aí e em qualquer lugar.
(Pasma, eu tentava manter toda a naturalidade do mundo, afinal sou uma jornalista e bióloga, prestes a iniciar um mestrado, com 30 anos, viajada. Não, não podia me espantar com um senhor rural que ensinava as suas filhas a evitarem a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis. Tinha que sentir orgulho desse pai visionário).
- Que bom, elas devem ter muito orgulho do senhor!
- Elas ficam meio assustadas com esse meu jeitão, sabe como é. É difícil ter pai assim como eu. Teve um dia que comprei drogas e levei lá pra elas, em casa. Disse que se queriam provar, iam ter que provar ali na minha frente.
- Mas o senhor poderia ser preso ou correr o risco de que elas gostassem!
- Que nada minha filha. A coisa é boa quando é proibida. Se a gente orienta bem os nossos filhos, a coisa proibida perde a graça. Quem gostou de fumar aquele treco fedido foi a minha mulher, mas as meninas nem quiseram provar.
- Tem respeito pelo senhor, imagino.
- E tem. Até o namorado da mais velha que usa brinco, sabe, detesto essa viadagem, homem de brinco, enfim, ele tira o brinco quando está na minha presença.
- Que bom!
- É bom e orientei ele também a botar camisinha quando for transar com a mulherada por aí...
Poderia passar muito tempo descrevendo os absurdos (não tão absurdos assim) que esse senhor me dizia. Ele continuou a falar e eu a escutar e o povo do ônibus a rir da minha situação. Eu estava constrangida, espantada e admirada por esse homem que educava suas filhas com um diálogo franco e realista. Completamente diferente do que faz muitos pais por aí, com seus discursos cheios de puritanismo hipócrita.
Foi uma experiência bacana. Quem diria que naquele dia, naquele ônibus, na véspera do ano novo, eu encontraria alguém como o seu Olímpico? É por isso que nunca nego um papinho com um estranho.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Diário de bordo: férias no Brasil
Voltei galera. Foram curtinhas, sim, mas esses dias foram bastante intensos: comi muito camarão, adquiri novos traumas, tomei sol (com protetor), vi muito homem sarado na praia... Posso dizer que tudo foi muito bom, muito legal, principalmente, claro, se esquivo as más recordações. É gente, pelejei bastante nesse início de 2010. E como a gente sempre conta as coisas ruins primeiro, seguirei essa regrinha.
A ida.
Após enfrentar 18 horas de busão, cheguei na cidade das cataratas. E se lá tem a garganta do diabo, acho que aquela rodoviária é o coração dele. Um mundaréu pulsante de sacoleiros ocupavam toda a extensão do local com suas sacolas imensas, parecendo até que estavam trazendo o Paraguai por partes. Ciudad de Leste por exemplo, estava esquartejada na sacolona de plástico que uma dona obesa e suada arrastava inultilmente, enquanto na outra mão equilibrava seu pastel de carne e coca. E como se não bastasse esse inferno, a cidade estava em chamas com seus 38 graus e 1000 de sensação términa. Sinceramente, gostaria de bater um papo com o secretário de turismo daquela cidade. Um ar condicionado naquela rodoviária não seria um luxo. Estamos falando de uma rodoviária internacional, de grande fluxo humano e seus odores e a grana que os gringos deixam ali não é desculpa para dizer "não temos verba".
Tudo bem, estava de muito mau humor, consequência de 18 horas de viagem, calor, idioma diferente. Eu estava afetada, mas a minha história poderia ter sido diferente. Pensem vocês: eu chegando em Foz depois de horas de viagem e ao invés de suar feito porco na ceia de natal, me depararia com um ar fresco, sem crianças chorando por estarem irritadas com a alta temperatura, sem sentir o cheiro de sovaco alheio; me sentiria mais humana, longe do pensamento de estar participando de algum tipo de catástrofe humana, esperando tranquilamente o meu ônibus para Guarapuava. Completamente recomposta, chegaria sorridente para os meus queridos, sem verbalizar palavras de baixo nível, vociferando contra a família o fato de morarem no cu do mundo. Sem ar condicionado, escapei para a única lanchonete da rodoviária (exato, só tem um lugar para comer). Enfrentei fila, o lugar só tinha um ventilador ligado, respirei fundo e parti pro lado bom da coisa, comer. Me empanturrei com uma coxinha seca de frango e um suco de laranja. Não há mau humor que se cure quando se está com a barriga cheia.
A volta.
A minha volta a Buenos Aires foi pior, muito pior do que eu poderia prever. Nem um escritor de novela mexicana poderia ser tão audaz quanto aos fatos que logo descreverei. Foi duro deixar a minha família depois de dias tão prazerosos. E o que aconteceu realmente foi um trauma. Sem mais rodeios, vamos aos fatos.
Graças às chuvas que alagaram São Paulo, que é graças ao fenômeno climático "El Niño", decorrente graças aos gases invernadeiros na atmosfera, graças à inconsiência da população mundial e principalmente da estupidez dos governantes deste planeta, meu busão de Guarapuava à Foz estava atrasado. Atrasadíssimo. O cara de peixe morto da Tristeza dos Campos (fazendo alusão à empresa de ônibus Princesa dos Campos) me disse com pouco caso "ai moça, você não consegue chegar em Foz às 14h não. O carro está encurralado lá em São Paulo e não tem outra empresa que faça esse trajeto". Maldito monopólio, pensei. Era a única empresa que me poderia enfiar naquele inferno de cidade. Com mala e travesseiro nas mãos, voltei para a casa da minha irmã, com a promessa de que me levariam a Cascavel na manhã seguinte, de carro. Para comemorar o evento, usei o dinheiro que me devolveram da passagem para torrar com x-saladas e fazer uma vigília com filmes brasileiros recém lançados.
Começamos por O Divã, legalzinho e terminamos com a Mulher Invisível. Temida pelo filme ser estreado pela Luava Piovani, fui dormir sem terminar a película. Antes mesmo do galo afiar suas cordas vocais, caímos na estrada rumo a Cascavel. Tempo horrível, as nuvens negras no céu eram ameaçadoras, como que avisando o que me esperava pela frente.
Em Cascavel uma surpresa: os ônibus estavam atrasados e desta vez não eram pelas chuvas de São Paulo. O senhor que me atendeu, muito simpático por sinal, pouco soube me informar o motivo do problemão que acabava de me atirar pela janelinha de vidro. Com toda a boa vontade do mundo, meus cunhados e minha sobrinha Julia partiram comigo para o calderão do diabo: Foz.
Não é exagero, sentia meu espírito suado e pegajoso. Chegamos cansados e famintos, destruídos e apurados. Comi mais um quilo de coxinha com suco para aguentar as 18 horas de retorno. Minha sobrinha, com seus apenas um ano e seis meses estava inquieta, cagante e chorante. Minha irmã fatalmente se contorcia de cólica e meu cunhado cozinhava na sua calça de jeans grosso e camisa pólo. Bem, havíamos corrido bastante e faltavam apenas 30 minutos para me meter no ônibus e au revoir. Fiquei até aliviada ao ver o ônibus laranja ofuscante do Crucero del Norte, mas uma voz feminita me orienta "moça, esse vem do Rio, o seu vem de São Paulo". As últimas palavras causaram-me um certo calafrio e um mau pressentimento. Olhei a baixinha esmilinguida dona daquela voz que minutos antes havia dito "São Paulo" e perguntei "quanto tempo de atraso?", "meia hora", disse a mocinha que parecia ter um pão enfiado na boca, tamanha era a sua voz esgarniçada. De repente, quase que ao mesmo tempo, vejo os dois ônibus da Tristeza - sim, o mesmo que eu havia tentado tomar em Guarapuava e Cascavel, chegando antes mesmo do que aquele que eu tomaria para Buenos Aires. Uma piada de muito mal gosto, fala sério. "Ah?" "Nada não minha senhora, sou eu pensando em voz alta", comentei com uma idosa que cuspia em mim enquanto falava.
Estava com dor na consciência, puxa. Fiz minha irmã viajar quase 500 km para nada! Respirei fundo, tentei jogar o jogo do contente de Polianna e a ideia de ainda estar com a minha familia me consolou.
Acontece que meu ônibus não vinha, e já não eram 14:30 e sim quase 16h. Nós não éramos mais seres humanos e sim um monte de carne disforme em putrefação, fedentos, cansados e à beira do desespero. Ameaçando a tirar a tapas o pão da boca da baixinha esmilinguida, fui expelir os meus demônios. "Puta que pariu moça, tô esperando há quase 2 horas e nada dessa merda de ônibus". Como se as próximas palavras fossem dar algum trunfo, a voz esgarniçada me disse com a maior indiferença "acabaram de nos informar que o ônibus chegará apenas às 19h". O meu cérebro insolado só pensava em dar "porrada, porrada", mas tudo o que consegui fazer foi chorar, chorar e pedir o meu dinheiro de volta. Queria sumir dali, voltar para Guarapuava, esquecer que a Argentina existia. Queria me alistar em alguma facção terrorista e dedicar-me a destruir empresas de ônibus que não atendem bem aos seus clientes. "Moça, você vai se arrepender, nessa época no ano é difícil encontrar passagem em cima da hora"."Me arrepender? Ahhh, sua biscatinha, quem vai se arrepender é você! Vou processar essa porra de empresa e você vai voltar pro buraco de onde saiu".
É claro que era meu cérebro insolado falando comigo. Estava tão mal que só queria o meu dinheiro e evaporar dali.
Fomos rumo à fronteira com a Argentina. Lá, pensei eu, teria mais opção de horários e empresas. Após 40 minutos fritando na fila de carros, fomos barrados porque a Julia não tinha RG. Só certidão de nascimento. A pobrezinha que dormia candidamente teve de ser acordada e aos prantos foi com a minha irmã numa sala horrenda do setor migratório argentino. Pelo menos eles tinham ar condicionado. Cunhadinho e eu atravessamos a fronteira e obviamente não havia passagem, "semana que vem", "talvez amanhã liberam um carro extra". Nesse momento, vejo o ônibus que ia para Buenos Aires, o mesmo que estava encalhado em São Paulo, aquele mesmíssimo que chegaria às 19h, estava bem na nossa frente, em marcha lenta rumo à terra prometida. E ainda eram 17:30. Surtei, lógico que comecei a chorar, xingar meio mundo e acabou sobrando para o Luis, que me atendeu do outro lad com um alô cheio de amor para dar. "Alô uma ova seu calhorda! Tudo isso aqui é culpa sua. Eu devia estar no Uruguai, em Punta del Leste, se não fosse o seu cachorro ter um tumor no cu. A culpa é sua sim seu patife, o país é seu, a empresa que ia viajar é do seu país, que aliás odeio, odeio tudo isso aqui, não volto nunca mais, tá me ouvindo?". Estava, como sempre estava ouvindo os berros histéricos da namorada descontrolada, que depois de vociferar como cão raivoso, voltaria à sessão de choros e soluços.
Para resumir o que aconteceu nas próximas horas, digo que acabei ficando num hotel em Puerto Iguazu e na manhã seguinte deveria tomar um voo com destino a Buenos Aires.
O hotel era bem fofo, com um jardim arborizado, uma piscina cheia de jovens europeus ao seu redor. Todos pareciam felizes e eu estava tão triste, cansada, aniquilada. Não achava justo minhas férias terminarem de forma tão sem sentido. A imagem da minha irmã e a Julia naquela sala de migrações doeram. Elas não mereciam passar por aquilo. Fui dormir bem cedo, chorando e ligando para o Luis para continuar a xingá-lo até dormir. Fechei os olhos para esquecer aquele pesadelo e me preparar para um novo: o meu medo de voar.
Tive febre. Meu sono foi perturbado inúmeras vezes pela dor no corpo e frio. Acordei de madrugada, fui para debaixo de uma árvore esperar pelos primeiros raios de sol. Não apareceram muito evidentes, pois o dia era de chuva. Vai ser cagada assim lá na puta que pariu Michele!, pensei.
No aeroporto conheço uma paraguaia simpática. Me tomava a febre, me distraia com seu vocabulário guarani, meu ânimo começava a reagir. Mas durou pouco, porque a migração argentina se enquasquetou com a moça e a levou sabe deus pra onde.
Dentro do avião, uma senhora de nariz tremendamente vermelho e inchado sentou ao meu lado. Eu estava na janela. Seu nariz atraía meus olhos instintivamente e eu pensei que ela estava com leishmaniose. A viagem começou mal. Voamos como se estivéssemos num tobogã. Havia muitos poços de ar, tempestade, um voo completamente desagradável, combinando com perfeição o que eu já tinha vivido dia antes. Colocaram Bolero de Ravel para tranquilizar os passageiros e é claro que não funcionou. Piorou. A mulher nariguda estava nervosa, com medo. Me explicou que teve uma reação alérgica do sol no meio das cataratas, por isso tinha aquela bola carne viva acima da boca. Com essa explicação pude ficar mais tranquila, pois o nariz me preocupava mais que o sobe-desce do avião.
Eu estava entre gente de toda nacionalidade. Atrás de mim haviam japoneses, na frente americanos, do outro lado franceses. Acho que argentinos mesmo, só os que estavam ao meu lado. O marido da senhora com alergia no nariz tentava tranquilizá-la e juntos fazíamos piadas. "O que o piloto nos dirá se o avião cair?", perguntou o marido. "Atenção senhores pasageiros, informamos que estamos todos fudidos e que vamos morrer. Não aproveitem a situação para roubar a comida e bebida da primeira classe. Vandalismo está proibido neste avião e a LAN agradece por viajar conosco", eu sugeri tentando conter o meu sarcasmo. A viagem, mesmo no seu triste contexto, ficou descontraída. Chegaram alguns alfajores Havana e até pude perceber o gatíssimo comissário de bordo que me servia. O problema é que logo vi que ele era viado. Nenhum homem vai dizer que adorou o babado do seu vestido e que na europa se usa muito aquele modelo (obrigada irmãzinha por emprestar seu vestidinho xadrez com babado). De repente, o avião perde altitude, o povo grita, a mochila dos franceses caem em cima de um casal que penso eu serem coreanos, a nariguda aperta a minha mão e eu tenho um ataque de riso.
O que aconteceu depois vem numa sequência sem ordem, embaralhada. O comissário bonitinho viado pedia que as pessoas me dessem passo, queriam me deitar no chão do avião. No chão do avião por quê? O casal ao meu lado seguravam vários saquinhos de vomitar e me diziam alguma coisa que eu não conseguia escutar. Os japoneses pareciam ter aumentado os seus olhos, caralho, tá todo mundo olhando para mim! O que é isso que estão jogando em mim? Champagne? Esse viadinho gostosinho é um pervertido, safado. O que ele quer fazer comigo ali na frente de todos? Mas peraí, eu acho que eu ainda tenho um namorado...
Epa, o que estou fazendo só de sutiã com o vestido dobrado até à cintura cobrindo as pernas? Escuro, via tudo preto. Não! Meu sutiã não combina com a calcinha e acho que a virilha está meio peluda. Porra, o que está acontecendo aqui? Eu estava tremendo, ensopada de tanto suar. Será que voltei para Foz? Ou a paraguaia simpática me deu alguma droga? Estava tudo agitado e lento ao mesmo tempo...Vômito, muito vômito. "Pobrecita, necesita aire!", gritava a senhora alérgica ao sol. Uma dor de cabeça, ruído infernal, dor, muita dor no corpo. Estou tremendo, minha pele queima! Queria chorar mas também queria manter a pouca dignidade que me sobrava. Tá todo mundo olhando que tenho barriga. Eu vou morrer....
Aeroparque: Buenos Aires. O viadinho lindo está no banheiro comigo me limpando. Já havíamos pousado e ninguém podia descer até eu descer. Havia passado uns 40 minutos desde a minha crise de sabe-lá-o-quê. Estávamos esperando uma cadeira de rodas. Para mim? Não senhor, vou descer com as minhas pernas. Eu não conseguia falar e ainda tremia muito, me sentia muito frágil, sem forças. Chega uma aeromoça impecavelmente maquiada com a minha mochila. Apontei para a minha bolsa preta Prüne e indiquei que me dessem o meu celular. Liguei para o Luis, balbuciei alguma coisa, tentei dizer que me sentia ótima, mas o moço bonito não acreditou muito, me ajudou a levantar e fui rumo às escadas. "Moça, você ainda não está recuperada, espere a cadeira de rodas, lá em baixo tem um médico te esperando". Cadeira de rodas, médico? Amanhã preciso estar no escritório querido. "Obrigada, posso caminhar sozinha, me sinto bem", foi a primeira frase que consegui dizer, embora o gosto de vômito que tinha na boca me dava vontade de seguir vomitando. Eu estava confusa, com medo e só queria desder daquele lugar, nem que fosse rolando escada abaixo. Ainda o escutei perguntar se eu tinha ficado com medo do voo. Medo de quê? Voar? Já voei outras vezes. "Não, deve ter sido a aspirina, a febre, sei lá". Deixei o pássaro de lata para trás e vi o rostinho preocupado do Luis me esperando junto com os seguranças.
Abracei o meu homem e chorei. Não conseguia falar. Veio um moço bem trajado perguntar se me chamava o médico. A médica veio e disse que devia ser pela onda de calor que fazia na cidade. Mas se eu estava dentro do avião, que calor minha senhora? Não importa, fui pra casa nos braços do meu amor de taxi, com uma motorista sapatão que falava pelos cotovelos. Deixei para trás a praia, a família, os percalsos do dia anterior, tudo. Só queria chegar em casa para desmaiar como deus manda.
E a parte boa da viagem?
Com a minha família na praia, camarão e peixe fresco todo dia na mesa, gente bonita, festa e dias de sol, não há muito o que dizer. Estava muito feliz por ver a Julia tomar o seu primeiro banho de mar, ganhar seus beijinhos, abracinhos. As rizadas nas noites de buraco com a minha irmã e o meu cunhado, que saudade! Desfrutei muito das caminhadas matinais com a minha mãe, dos nossos papo-cabeça, do jeitinho calmo e desafiante dela. Realmente, foi tudo muito maravilhoso e não me arrependo de ter ido ao Brasil ao invés do Uruguai.
Só isso? Sim gente, só isso. Aprendam que faz parte do ser humano recordar mais as coisas ruins do que as boas. E aqui não será exceção.
Música que me acompanhou nesta triste volta
A ida.
Após enfrentar 18 horas de busão, cheguei na cidade das cataratas. E se lá tem a garganta do diabo, acho que aquela rodoviária é o coração dele. Um mundaréu pulsante de sacoleiros ocupavam toda a extensão do local com suas sacolas imensas, parecendo até que estavam trazendo o Paraguai por partes. Ciudad de Leste por exemplo, estava esquartejada na sacolona de plástico que uma dona obesa e suada arrastava inultilmente, enquanto na outra mão equilibrava seu pastel de carne e coca. E como se não bastasse esse inferno, a cidade estava em chamas com seus 38 graus e 1000 de sensação términa. Sinceramente, gostaria de bater um papo com o secretário de turismo daquela cidade. Um ar condicionado naquela rodoviária não seria um luxo. Estamos falando de uma rodoviária internacional, de grande fluxo humano e seus odores e a grana que os gringos deixam ali não é desculpa para dizer "não temos verba".
Tudo bem, estava de muito mau humor, consequência de 18 horas de viagem, calor, idioma diferente. Eu estava afetada, mas a minha história poderia ter sido diferente. Pensem vocês: eu chegando em Foz depois de horas de viagem e ao invés de suar feito porco na ceia de natal, me depararia com um ar fresco, sem crianças chorando por estarem irritadas com a alta temperatura, sem sentir o cheiro de sovaco alheio; me sentiria mais humana, longe do pensamento de estar participando de algum tipo de catástrofe humana, esperando tranquilamente o meu ônibus para Guarapuava. Completamente recomposta, chegaria sorridente para os meus queridos, sem verbalizar palavras de baixo nível, vociferando contra a família o fato de morarem no cu do mundo. Sem ar condicionado, escapei para a única lanchonete da rodoviária (exato, só tem um lugar para comer). Enfrentei fila, o lugar só tinha um ventilador ligado, respirei fundo e parti pro lado bom da coisa, comer. Me empanturrei com uma coxinha seca de frango e um suco de laranja. Não há mau humor que se cure quando se está com a barriga cheia.
A volta.
A minha volta a Buenos Aires foi pior, muito pior do que eu poderia prever. Nem um escritor de novela mexicana poderia ser tão audaz quanto aos fatos que logo descreverei. Foi duro deixar a minha família depois de dias tão prazerosos. E o que aconteceu realmente foi um trauma. Sem mais rodeios, vamos aos fatos.
Graças às chuvas que alagaram São Paulo, que é graças ao fenômeno climático "El Niño", decorrente graças aos gases invernadeiros na atmosfera, graças à inconsiência da população mundial e principalmente da estupidez dos governantes deste planeta, meu busão de Guarapuava à Foz estava atrasado. Atrasadíssimo. O cara de peixe morto da Tristeza dos Campos (fazendo alusão à empresa de ônibus Princesa dos Campos) me disse com pouco caso "ai moça, você não consegue chegar em Foz às 14h não. O carro está encurralado lá em São Paulo e não tem outra empresa que faça esse trajeto". Maldito monopólio, pensei. Era a única empresa que me poderia enfiar naquele inferno de cidade. Com mala e travesseiro nas mãos, voltei para a casa da minha irmã, com a promessa de que me levariam a Cascavel na manhã seguinte, de carro. Para comemorar o evento, usei o dinheiro que me devolveram da passagem para torrar com x-saladas e fazer uma vigília com filmes brasileiros recém lançados.
Começamos por O Divã, legalzinho e terminamos com a Mulher Invisível. Temida pelo filme ser estreado pela Luava Piovani, fui dormir sem terminar a película. Antes mesmo do galo afiar suas cordas vocais, caímos na estrada rumo a Cascavel. Tempo horrível, as nuvens negras no céu eram ameaçadoras, como que avisando o que me esperava pela frente.
Em Cascavel uma surpresa: os ônibus estavam atrasados e desta vez não eram pelas chuvas de São Paulo. O senhor que me atendeu, muito simpático por sinal, pouco soube me informar o motivo do problemão que acabava de me atirar pela janelinha de vidro. Com toda a boa vontade do mundo, meus cunhados e minha sobrinha Julia partiram comigo para o calderão do diabo: Foz.
Não é exagero, sentia meu espírito suado e pegajoso. Chegamos cansados e famintos, destruídos e apurados. Comi mais um quilo de coxinha com suco para aguentar as 18 horas de retorno. Minha sobrinha, com seus apenas um ano e seis meses estava inquieta, cagante e chorante. Minha irmã fatalmente se contorcia de cólica e meu cunhado cozinhava na sua calça de jeans grosso e camisa pólo. Bem, havíamos corrido bastante e faltavam apenas 30 minutos para me meter no ônibus e au revoir. Fiquei até aliviada ao ver o ônibus laranja ofuscante do Crucero del Norte, mas uma voz feminita me orienta "moça, esse vem do Rio, o seu vem de São Paulo". As últimas palavras causaram-me um certo calafrio e um mau pressentimento. Olhei a baixinha esmilinguida dona daquela voz que minutos antes havia dito "São Paulo" e perguntei "quanto tempo de atraso?", "meia hora", disse a mocinha que parecia ter um pão enfiado na boca, tamanha era a sua voz esgarniçada. De repente, quase que ao mesmo tempo, vejo os dois ônibus da Tristeza - sim, o mesmo que eu havia tentado tomar em Guarapuava e Cascavel, chegando antes mesmo do que aquele que eu tomaria para Buenos Aires. Uma piada de muito mal gosto, fala sério. "Ah?" "Nada não minha senhora, sou eu pensando em voz alta", comentei com uma idosa que cuspia em mim enquanto falava.
Estava com dor na consciência, puxa. Fiz minha irmã viajar quase 500 km para nada! Respirei fundo, tentei jogar o jogo do contente de Polianna e a ideia de ainda estar com a minha familia me consolou.
Acontece que meu ônibus não vinha, e já não eram 14:30 e sim quase 16h. Nós não éramos mais seres humanos e sim um monte de carne disforme em putrefação, fedentos, cansados e à beira do desespero. Ameaçando a tirar a tapas o pão da boca da baixinha esmilinguida, fui expelir os meus demônios. "Puta que pariu moça, tô esperando há quase 2 horas e nada dessa merda de ônibus". Como se as próximas palavras fossem dar algum trunfo, a voz esgarniçada me disse com a maior indiferença "acabaram de nos informar que o ônibus chegará apenas às 19h". O meu cérebro insolado só pensava em dar "porrada, porrada", mas tudo o que consegui fazer foi chorar, chorar e pedir o meu dinheiro de volta. Queria sumir dali, voltar para Guarapuava, esquecer que a Argentina existia. Queria me alistar em alguma facção terrorista e dedicar-me a destruir empresas de ônibus que não atendem bem aos seus clientes. "Moça, você vai se arrepender, nessa época no ano é difícil encontrar passagem em cima da hora"."Me arrepender? Ahhh, sua biscatinha, quem vai se arrepender é você! Vou processar essa porra de empresa e você vai voltar pro buraco de onde saiu".
É claro que era meu cérebro insolado falando comigo. Estava tão mal que só queria o meu dinheiro e evaporar dali.
Fomos rumo à fronteira com a Argentina. Lá, pensei eu, teria mais opção de horários e empresas. Após 40 minutos fritando na fila de carros, fomos barrados porque a Julia não tinha RG. Só certidão de nascimento. A pobrezinha que dormia candidamente teve de ser acordada e aos prantos foi com a minha irmã numa sala horrenda do setor migratório argentino. Pelo menos eles tinham ar condicionado. Cunhadinho e eu atravessamos a fronteira e obviamente não havia passagem, "semana que vem", "talvez amanhã liberam um carro extra". Nesse momento, vejo o ônibus que ia para Buenos Aires, o mesmo que estava encalhado em São Paulo, aquele mesmíssimo que chegaria às 19h, estava bem na nossa frente, em marcha lenta rumo à terra prometida. E ainda eram 17:30. Surtei, lógico que comecei a chorar, xingar meio mundo e acabou sobrando para o Luis, que me atendeu do outro lad com um alô cheio de amor para dar. "Alô uma ova seu calhorda! Tudo isso aqui é culpa sua. Eu devia estar no Uruguai, em Punta del Leste, se não fosse o seu cachorro ter um tumor no cu. A culpa é sua sim seu patife, o país é seu, a empresa que ia viajar é do seu país, que aliás odeio, odeio tudo isso aqui, não volto nunca mais, tá me ouvindo?". Estava, como sempre estava ouvindo os berros histéricos da namorada descontrolada, que depois de vociferar como cão raivoso, voltaria à sessão de choros e soluços.
Para resumir o que aconteceu nas próximas horas, digo que acabei ficando num hotel em Puerto Iguazu e na manhã seguinte deveria tomar um voo com destino a Buenos Aires.
O hotel era bem fofo, com um jardim arborizado, uma piscina cheia de jovens europeus ao seu redor. Todos pareciam felizes e eu estava tão triste, cansada, aniquilada. Não achava justo minhas férias terminarem de forma tão sem sentido. A imagem da minha irmã e a Julia naquela sala de migrações doeram. Elas não mereciam passar por aquilo. Fui dormir bem cedo, chorando e ligando para o Luis para continuar a xingá-lo até dormir. Fechei os olhos para esquecer aquele pesadelo e me preparar para um novo: o meu medo de voar.
Tive febre. Meu sono foi perturbado inúmeras vezes pela dor no corpo e frio. Acordei de madrugada, fui para debaixo de uma árvore esperar pelos primeiros raios de sol. Não apareceram muito evidentes, pois o dia era de chuva. Vai ser cagada assim lá na puta que pariu Michele!, pensei.
No aeroporto conheço uma paraguaia simpática. Me tomava a febre, me distraia com seu vocabulário guarani, meu ânimo começava a reagir. Mas durou pouco, porque a migração argentina se enquasquetou com a moça e a levou sabe deus pra onde.
Dentro do avião, uma senhora de nariz tremendamente vermelho e inchado sentou ao meu lado. Eu estava na janela. Seu nariz atraía meus olhos instintivamente e eu pensei que ela estava com leishmaniose. A viagem começou mal. Voamos como se estivéssemos num tobogã. Havia muitos poços de ar, tempestade, um voo completamente desagradável, combinando com perfeição o que eu já tinha vivido dia antes. Colocaram Bolero de Ravel para tranquilizar os passageiros e é claro que não funcionou. Piorou. A mulher nariguda estava nervosa, com medo. Me explicou que teve uma reação alérgica do sol no meio das cataratas, por isso tinha aquela bola carne viva acima da boca. Com essa explicação pude ficar mais tranquila, pois o nariz me preocupava mais que o sobe-desce do avião.
Eu estava entre gente de toda nacionalidade. Atrás de mim haviam japoneses, na frente americanos, do outro lado franceses. Acho que argentinos mesmo, só os que estavam ao meu lado. O marido da senhora com alergia no nariz tentava tranquilizá-la e juntos fazíamos piadas. "O que o piloto nos dirá se o avião cair?", perguntou o marido. "Atenção senhores pasageiros, informamos que estamos todos fudidos e que vamos morrer. Não aproveitem a situação para roubar a comida e bebida da primeira classe. Vandalismo está proibido neste avião e a LAN agradece por viajar conosco", eu sugeri tentando conter o meu sarcasmo. A viagem, mesmo no seu triste contexto, ficou descontraída. Chegaram alguns alfajores Havana e até pude perceber o gatíssimo comissário de bordo que me servia. O problema é que logo vi que ele era viado. Nenhum homem vai dizer que adorou o babado do seu vestido e que na europa se usa muito aquele modelo (obrigada irmãzinha por emprestar seu vestidinho xadrez com babado). De repente, o avião perde altitude, o povo grita, a mochila dos franceses caem em cima de um casal que penso eu serem coreanos, a nariguda aperta a minha mão e eu tenho um ataque de riso.
O que aconteceu depois vem numa sequência sem ordem, embaralhada. O comissário bonitinho viado pedia que as pessoas me dessem passo, queriam me deitar no chão do avião. No chão do avião por quê? O casal ao meu lado seguravam vários saquinhos de vomitar e me diziam alguma coisa que eu não conseguia escutar. Os japoneses pareciam ter aumentado os seus olhos, caralho, tá todo mundo olhando para mim! O que é isso que estão jogando em mim? Champagne? Esse viadinho gostosinho é um pervertido, safado. O que ele quer fazer comigo ali na frente de todos? Mas peraí, eu acho que eu ainda tenho um namorado...
Epa, o que estou fazendo só de sutiã com o vestido dobrado até à cintura cobrindo as pernas? Escuro, via tudo preto. Não! Meu sutiã não combina com a calcinha e acho que a virilha está meio peluda. Porra, o que está acontecendo aqui? Eu estava tremendo, ensopada de tanto suar. Será que voltei para Foz? Ou a paraguaia simpática me deu alguma droga? Estava tudo agitado e lento ao mesmo tempo...Vômito, muito vômito. "Pobrecita, necesita aire!", gritava a senhora alérgica ao sol. Uma dor de cabeça, ruído infernal, dor, muita dor no corpo. Estou tremendo, minha pele queima! Queria chorar mas também queria manter a pouca dignidade que me sobrava. Tá todo mundo olhando que tenho barriga. Eu vou morrer....
Aeroparque: Buenos Aires. O viadinho lindo está no banheiro comigo me limpando. Já havíamos pousado e ninguém podia descer até eu descer. Havia passado uns 40 minutos desde a minha crise de sabe-lá-o-quê. Estávamos esperando uma cadeira de rodas. Para mim? Não senhor, vou descer com as minhas pernas. Eu não conseguia falar e ainda tremia muito, me sentia muito frágil, sem forças. Chega uma aeromoça impecavelmente maquiada com a minha mochila. Apontei para a minha bolsa preta Prüne e indiquei que me dessem o meu celular. Liguei para o Luis, balbuciei alguma coisa, tentei dizer que me sentia ótima, mas o moço bonito não acreditou muito, me ajudou a levantar e fui rumo às escadas. "Moça, você ainda não está recuperada, espere a cadeira de rodas, lá em baixo tem um médico te esperando". Cadeira de rodas, médico? Amanhã preciso estar no escritório querido. "Obrigada, posso caminhar sozinha, me sinto bem", foi a primeira frase que consegui dizer, embora o gosto de vômito que tinha na boca me dava vontade de seguir vomitando. Eu estava confusa, com medo e só queria desder daquele lugar, nem que fosse rolando escada abaixo. Ainda o escutei perguntar se eu tinha ficado com medo do voo. Medo de quê? Voar? Já voei outras vezes. "Não, deve ter sido a aspirina, a febre, sei lá". Deixei o pássaro de lata para trás e vi o rostinho preocupado do Luis me esperando junto com os seguranças.
Abracei o meu homem e chorei. Não conseguia falar. Veio um moço bem trajado perguntar se me chamava o médico. A médica veio e disse que devia ser pela onda de calor que fazia na cidade. Mas se eu estava dentro do avião, que calor minha senhora? Não importa, fui pra casa nos braços do meu amor de taxi, com uma motorista sapatão que falava pelos cotovelos. Deixei para trás a praia, a família, os percalsos do dia anterior, tudo. Só queria chegar em casa para desmaiar como deus manda.
E a parte boa da viagem?
Com a minha família na praia, camarão e peixe fresco todo dia na mesa, gente bonita, festa e dias de sol, não há muito o que dizer. Estava muito feliz por ver a Julia tomar o seu primeiro banho de mar, ganhar seus beijinhos, abracinhos. As rizadas nas noites de buraco com a minha irmã e o meu cunhado, que saudade! Desfrutei muito das caminhadas matinais com a minha mãe, dos nossos papo-cabeça, do jeitinho calmo e desafiante dela. Realmente, foi tudo muito maravilhoso e não me arrependo de ter ido ao Brasil ao invés do Uruguai.
Só isso? Sim gente, só isso. Aprendam que faz parte do ser humano recordar mais as coisas ruins do que as boas. E aqui não será exceção.
Música que me acompanhou nesta triste volta
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