segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Mirela e sua LSA

Seus olhos despertaram diferentes naquela manhã. Com certa pressa, caminhou quase levitando até à janela; queria evitar o frio áspero daquele chão tão pisado. Encharcou o vidro da janela com seu rostinho delicado e ali ficou. Teve três minutos e quarenta e sete segundos de dúvida. Suspirou e sorriu pra si. Mostrou a língua numa careta diabólica e viu em seu reflexo uma mancha no dente. Uma folhinha de rúcula. Não pode ser, o que restou da pizza de tomates secos e rúcula de ontem, pensou. Correu até o espelho e lá estava ela. E nem era tão inha assim. Meteu o indicador entre o incisivo lateral e o canino e lá estava entre suas unhas a impertinência em verde musgo.

Com uma certeza antes não tão óbvia, ligou para o celular do Beto. Do outro lado, atendeu:
- Meu amor, bom dia! Pensei que hoje você dormiria até mais tarde. A outra contestou sem preâmbulos:
- Beto, como você me deixou dormir com uma folhinha de rúcula entre os dentes? Estava ali, enorme! Que vergonha... Com muito humor, o outro respondeu:
- Mas querida, você estava tão engraçadinha com ela na boca, que achei melhor deixar
- Deixar? Engraçadinha? Desde que fomos morar juntos prometemos que jamais nos veríamos em condições que pudessem quebrar o encanto da nossa relação.
- Já sei, a LSA: não arrotar depois de comer, não peidar jamais na presença do outro, tomar banho antes de dormir e jamais usar roupa velha, furada ou amassada. Mas na LSA não incluía folha de alface nos dentes...
- Rúcula! Não é isso, se começamos assim vamos nos divorciar...
- Querida, não se preocupe, nem casados estamos. Disse o rapaz com a melhor das intenções.
- Beto, peraê, como assim? Eu achava que você se considerava um homem casado.
- Amor, moramos juntos, somos quase casados, dividimos a casa, as contas...
- Dividimos contas? Pra você a nossa relação é dividir contas?
- Mirela, não foi isso o que eu quis dizer. Façamos assim, passe no meu escritório na hora do almoço, aí a gente almoça juntos. Aproveite que não está trabalhando...
Entre soluços a moça dizia:
- Agora vai jogar na minha cara que estou desempregada e que logo a nossa relação já nem será para dividir despesas? Viu, eu sabia! No dia em que quebrássemos as regras da LSA a nossa relação iria para o brejo. Viu só, viu só.
- Não é nada disso meu anjo, você está nervosa. Por favor fique calma, por favor meu amor, eu te amo, você é a minha mulher e nada neste mundo nos fará divorciar. Melhor assim?
- Bem, sabe como é, estou nervosa porque tenho algo pra te contar. Mas confio em você e sei que não se zangará comigo.
- Claro que não meu amor, diga meu docinho.
- Eu estourei o seu cartão de crédito, aquele que você tinha me dado para caso de emergência.
- O cartão que tinha mais de cinco mil de limite? Por deus Mirela, com que você gastou?
- Com uma coisa.
- Que coisa?
- Uma coisa pra me deixar mais bonita, mas quem vai lucrar com ele é você.
- Mirela, não importa. Mireeeela, você estourou o cartão com algo estúpido e não uma emergência! Assim não há relação que aguente. Eu me matando de trabalhar...
- Ah, mas Beto,vem não, estourar o cartão tampouco estava na LSA. Pra lá de impaciente, mas tentando manter a calma:
- Está bem, venha pra almoçarmos junto, chame aquele seu primo advogado que vamos hoje mesmo definir as cláusulas da Lista de Sobrevivência Amorosa.

3 comentários:

  1. OLÁ MIRELA
    Que ótimo texto!
    Passei aqui para conhecer-la e para retribuir a sua visita. Voltarei mais vezes,
    Um abraço

    P.S: Meu namorado tbém é argentino, só que mora aqui, em Poa.

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  2. Olá, tdb? Primeira vez por aqui!

    Então, vc é a moçoila amiga da Carol? - risos.

    Bela narrativa. Bj

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  3. Oi michele !
    Passei para conhecer o blog, e adorei ..
    Voltarei sempre (:
    Beijo !

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